Osório César foi um dos primeiros psiquiatras brasileiros interessado em estudar a arte produzida por pacientes psiquiátricos, tendo iniciado esses estudos nos anos 1920 no Hospital do Juquery. Seu nome e seus trabalhos estão quase esquecidos. Este blog procura divulgá-los.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Capítulo 2 – Parte 5 – A expressão artística nos alienados


continuação do texto...

A arte decorativa constitui, entre os alienados, uma forma muito comum e a mais prática de dar vazão aos seus pensamentos. Em regra geral, são nos muros e nos terreiros dos pátios dos pavilhões que eles pintam com carvão ou riscam com qualquer instrumento pontudo os seus desenhos. Essas decorações, na maioria, são pueris, e, às vezes representam símbolos religiosos como cruz, âncora, peixe, mão, pé, etc. Mas o que se nota mais frequentemente nessas decorações murais são os graffittis (1), sem grande valor artístico (figs. 53,54), porém muito importantes por representarem cenas que preocupam a imaginação do doente.
Uma outra manifestação artística, que somente encontramos desenvolvida na seção das mulheres, é a da fabricação de bonecas. O material empregado para este fim é constituído de trapos velhos e de papel. São, sobretudo, entre as alienadas as mais idosas que encontramos com carinho esse mister. Elas vestem, arranjam e enfeitam as bonecas com muita faceirice (fig.55). Todas possuem um nome próprio e uma fisionomia particular. As doentes gostam de suas bonecas, conversam com elas e se divertem dessa maneira com entusiasmo. São umas verdadeiras crianças grandes.
“Alguns alienistas, como Feré (2), explicaram o amor às bonecas por uma derivação do instinto materno, que, em lugar de dirigir-se para seu objeto natural, as crianças, torna-se definitivamente desviado. Até uma idade avançada a mulher reservará sua solicitude exclusiva para as bonecas ou a repartirá entre elas e os animais”.
Também entre os índios carajás o gosto pelas bonecas é bem apreciado como poderemos ver pela figura 56. O nº 19491 é um boneco de barro, representando um velho, obtido acima da Ilha do Bananal, em outubro de 1927, na excursão Dra. Snethlage. O nº 19494 representa um homem e tem a mesma proveniência que a peça nº 19491. O nº 19498, boneca de barro, representa uma mulher, igual proveniência que a peça 19491. Essas peças pertencem à rica coleção do Museu Nacional, cuja reprodução fotográfica que aqui damos, foi carinhosamente autorizada pelo professor Roquette Pinto, diretor do Museu.
A tatuagem é rara nos alienados. Entre nós, no Hospital de Juquery o número de loucos tatuados é muitíssimo reduzido. Dos 1800 internados deste hospital, apenas encontramos 5 tatuados. Eram todos estrangeiros, de nacionalidade síria.
Lombroso dizia que todo homem tatuado é um criminoso e que a tatuagem na infância é um sinal precoce de criminalidade, indício de anormalidade.
Modernamente tem-se combatido este ponto afirmativo do mestre italiano.
Os autores de agora atribuem o fato da tatuagem às causas extrínsecas. Entretanto, parece-nos que Lombroso não esteja muito fora da verdade. Pois sabemos que a tatuagem é estimada pelos loucos morais, prostitutas, soldados, marinheiros e vagabundos. Entre os criminosos ela é encontrada numa grande porcentagem. “O maior número de tatuados”, diz Correa de Toledo (1*), “encontramos entre os reincidentes no crime, que parecem ter verdadeiro prazer em inscrever um desenho no corpo todas as vezes que vão para a prisão. As associações malfeitoras a usam como sinal de identidade, tais como os Camorristas, que dando-lhes um valor oculto de título e merecimento, indicam conforme o número de fatos se se trata de um noviciado ou um mestre em sua arte”.
Nos povos primitivos e nos selvagens atuais a tatuagem constitui um motivo mais curioso de ornamentação epidérmica.
Spix e Martius, citados por Lubbock (2*), descrevem assim a tatuagem de uma mulher coroada: “Sobre a face ela tem um círculo e por cima deste círculo duas fendas; abaixo do nariz várias marcas semelhantes a um M; no canto da boca, no meio da bochecha, duas linhas paralelas e abaixo, nos dois lados, várias faixas direitas; abaixo dos seios e entre eles, sobre o peito, diversos seguimentos (ou segmentos?) de círculos se reatam entre si; em cada braço uma serpente. Esta beleza não trazia por todo vestimento senão um colar de dentes de macacos”.
Como vimos, a tatuagem é para o primitivo um ornamento de extrema beleza.
Os desenhos dos tatuados, conforme as tribos, apresentam em cada indivíduo formas ornamentais bem singulares.

Notas de Osório Cesar:

1 – Os graffittis são ótimos elementos de informações históricas sobre a vida íntima e a arte popular na antiguidade. Foram observando os graffittis traçados nos edifícios que se conseguiram descobrir muitos motivos da história de Roma e de Pompeia.
2 – Citado por Vinchon, obra citada.   
1* - Contribuição ao estudo das tatuagens em medicina legal. Tese, São Paulo, 1926.
2* - Obra citada.

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