Osório César foi um dos primeiros psiquiatras brasileiros interessado em estudar a arte produzida por pacientes psiquiátricos, tendo iniciado esses estudos nos anos 1920 no Hospital do Juquery. Seu nome e seus trabalhos estão quase esquecidos. Este blog procura divulgá-los.

sábado, 15 de dezembro de 2018

A Expressão Artística nos Alienados - Capítulo 7 - Parte 1


No início do capítulo 7, Osório César apresenta um sumário do que vai tratar no Capítulo.

A psicose maníaco-depressiva e o seu conceito médico atual. Manifestações de arte no maníaco (poesias) e no melancólico (poesias). A paralisia geral. O delírio de grandeza dos paralíticos gerais, a poesia e os desenhos. História psiquiátrica de Maupassant na Casa de Saúde do Dr. Bianche.
     
     A psicose maníaco-depressiva é uma moléstia mental conhecida e foi estudada desde Hipócrates.
     Naquele tempo ela era compreendida separadamente: mania e melancolia.
     A mania, segundo interpretação de Hipócrates, caracterizava-se por um delírio violento, agudo e crônico, e provinha da alteração do cérebro motivada pela bílis. A melancolia manifestava-se pela tristeza e pelo medo, quando o cérebro se desarranjava influenciado pela pituita.
     Essas ideias dominaram toda a medicina grega de antes até 80 anos depois da era cristã. Com Areteu da Capadócia é que surgiu a ideia de psicose maníaco-depressiva. Pois esse célebre médico grego “descreveu a mania e a melancolia, dizendo que esta era um começo ou uma espécie de semi-mania, admitindo a passagem da melancolia para a mania e vice-versa” (Roxo).
     A psicose maníaco-depressiva foi bem estudada nos nossos dias por Kraepelin.
     Desde 1899 que esse grande psiquiatra alemão reuniu numa só entidade mórbida a mania, a melancolia e as formas mistas. Sob a feliz designação de psicose maníaco-depressiva.
     Kraepelin admitiu nessa entidade psiquiátrica três grandes classes: estados maníacos, estados depressivos e estados mistos, os quais passaremos a descrever de acordo com o prof. Roxo no seu excelente “Manual de Psiquiatria”, à pág. 368 da 2ª ediç.:

     Nos estados maníacos abrangeu: “a hipomania, a hipermania (Tobsucht), formas delusórias e alucinatórias, formas delirantes”.
     Nos estados depressivos colocou: “a melancolia simples, o estupor, a melancolia gravis, melancolia paranoide, melancolia fantástica e melancolia delirante”.
     Nos estados mistos estudou: “a mania depressiva, a depressão agitada, a mania improdutiva, o estupor maníaco, a mania com furor e a mania inibida”.

     São três os sintomas fundamentais dos estados maníacos: humor alegre, associação rápida de ideias e movimentação exagerada.
     O prof. Roxo compara esse estado com o de um indivíduo que esteja no período inicial da embriaguez, particularmente da vínica. De fato, a comparação, aliás um tanto grosseira, dá realmente ideia desse estado de psicose. Em certos indivíduos o álcool atua de uma maneira curiosa, provocando alegria, otimismo, bom humor, escondendo a timidez e aguçando a inteligência. No maníaco passa-se o mesmo fenômeno. E o mecanismo é idêntico. Tanto num como no outro é a excitação cerebral que provoca a superatividade de funções. No alcoolista é o álcool que vai produzir nas células nervosas o fenômeno e no maníaco são, ou melhor devem ser as toxinas ou os hormônios glandulares os responsáveis pelos distúrbios das funções psíquicas.

     “Há um estado de excitação cerebral”, diz o prof. Roxo, “provocado por um maior afluxo de sangue para o lado do cérebro. Este afluxo não deve ser excessivo, porque então haveria a apoplexia cerebral, mas suficiente para superativar as funções psíquicas. Consequência da maior irrigação cerebral é a alegria, como a tristeza é o que se segue à anemia cerebral. A célula nervosa se sente mais nutrida, ativada em suas funções, e o produto disto é uma sensação de bem-estar que acarreta alegria. Esta chama tanto mais a atenção quanto mais triste e macambuzio era anteriormente o indivíduo".
     “Alegre, prazenteiro, muito afável, o maníaco entra a se despreocupar dos diversos contratempos da vida e a encarar tudo no melhor dos mundos. O indivíduo apreende as coisas muito rapidamente, mas o faz de modo superficial, pouco ponderado. Não há tempo para que o juízo crítico se exerça sobre o que vai reconhecendo”.
     “Apreende tudo pela rama, muito superficialmente e entra logo a discorrer sobre coisas de que tem noção incompleta. Torna-se loquaz e as palavras se precipitam, sem que muitas vezes as frases se completem. Encarando a rigor, há, como bem diz o prof. Afrânio Peixoto, antes uma fuga de palavras do que uma fuga de ideias”.

     Em relação às manifestações artísticas dos maníacos, somente depois que a fase de agitação começa é que eles manifestam as suas ideias, os seus pensamentos e as suas impressões, ora por intermédio da escrita, compondo poemas em prosa e verso, ora por intermédio da plástica, modelando em barro ou massa de pão os motivos de sua imaginação criadora.
     Mas é sobretudo na oratória que eles se distinguem. Constantemente excitados, eles apresentam gestos instáveis, alegria desbordante e ironia contínua; fazem discursos cheios de ênfases, com assonâncias de palavras e jogos de ideias surpreendentes.

     "O maníaco fala muito depressa e Isserlin verificou conseguir ele pronunciar 180 a 200 sílabas num minuto, ao passo que uma pessoa sã não conseguirá proferir mais de 150 (Roxo)”.

     Como oradores, são fogosos, gesticulam abundantemente e são incansáveis. Passam meses inteiros, muitas vezes no meio de um sol ardente, pronunciando os seus estapafúrdios discursos. Falam alto, gesticulam com imponência desassombrada, desandando num palavrório desconcertante em que entra de tudo: política, filosofia, religião, medicina, direito, matemática, geografia, etc. Um verdadeiro caleidoscópio verbal. E o mais interessante é que tomam atitudes cômicas, funambulescas nas suas pregações.
     A indumentária dos maníacos é bastante curiosa. Vestem-se com as roupas às avessas, calças arregaçadas até as coxas; chapéu enfeitado com coisas berrantes. Nessa extravagante postura conseguem eles passar dias e noites a falar e andar sem um momento de descanso sequer, mostrando assim sua resistência inacreditável.
     A fuga de ideias que se manifesta nesses doentes em todos os graus possíveis traz sempre um cunho erótico.
      Como exemplo vejamos o apanhado abaixo que tomamos de um maníaco do Hospital do Juquery:

     “Eu vinhe de Belém vinho de mesa vinho de sima e de Fábrica. Escrevem tudo nem casa fiz. O que Deus faz escreveu na China Guindarte e Annita. Mais nada Ribeirão Preto. Estrada de Ferro Cia. Engleza. Nunca dão para ela mas dão. É porque você não quer dá. Perte de Macaco. Pentear Macaco. O preto não chorava. Camcoro d’alma. Quando ele quis desse a mão de pilão os passarinhos voaram todos. Gamela ajente tem vergonha na casa de fora. Eu seu mesmo desarranjado. Aquele freguês que ia pelando o mar. Eram jovens bonitas que se iludiam umas as outras. Era minha mãe com a camisa bonita”.

     Os desenhos nesses doentes são raros e quando eles se manifestam são quase sempre de caráter erótico, representados por símbolos rabiscados desordenadamente, que formam no papel manchas muitas vezes incompreensíveis. Esses desenhos dão-nos conhecimento exato da fuga de ideias que se processa no doente. O mesmo acontece com os seus escritos, cujas palavras se sucedem umas atrás das outras, sem nenhum nexo, sem nenhuma relação lógica.

     “Há diversas gradações nos estados maníacos. O prof. Afrânio Peixoto[1] apresenta uma classificação da mania, em que admite como formas: mania mitis, mitissima, de Hoche e Hecker; hipomania, de Mendel; mania clássica, média, de Peixoto; mania grave, agitada, confusa, hipermania, de Peixoto”.

     Pela classificação de Kraepelin, como vimos atrás, a hipomania está em primeiro grau, encaixando-se nesta a mania mitis, mitissima.

     “Na mania mitis há apenas uma ligeira excitação cerebral, com os predicados essenciais da mania, isto é, humor alegre, associação rápida de ideias, e movimentação exagerada. O doente não chega a ter necessariamente de ir para um asilo e no meio social apenas sente uma certa logorreia, volubilidade e precipitação”.
     “A hipomania é um pouco mais, é uma mania sem delírio, uma loucura raciocinante, como dizem os franceses”.

     É justamente nessa fase que os doentes escrevem os seus trabalhos filosóficos, literários, ou de seus livros de poesias. Aparece então neles uma sensação ótima de bem-estar e, prazenteiros em demasia, metem-se numa atividade fora do comum para o trabalho intelectual.
     É da lavra de um hipomaníaco do Hospital do Juquery este soneto admirável:

                                       Sudanita
                             (A Sabbado D’Angelo)

Do “Sudan” as baforadas solta
O insano imerso em saudade infinda;
E, em espirais, o fumo em revolta,
Nos mostra em busto a cigana linda!

Lenço rubro, em cabeleira solta,
Cachos pendentes, seu colo finda;
Ostentando das mamas em volta,
Facha amarela de seda da Índia!

E eu durmo... e, em pouco, minh’alma anseia.
Fogo de amor no meu peito ateia,
E a cigana em freme o corpo agita!

E gozo então delícias sem par,
Do colo róseo o odor sugar,
Inebriante de Sudanita!

     Esse doente há dois anos que se encontra em estado de hipomania. Os seus escritos são numerosos. Não só faz versos, como também trabalhos de psicologia e contos literários.

  








[1] Esses dados retiramos da importante obra nacional do prof. H. Roxo “Manual de Psychiatria”, pag. 373 da 2ª edição. 

domingo, 16 de setembro de 2018

Capítulo 6 – Parte 6 – A Expressão Artística nos Alienados


...continuação do texto de Osório César. Sempre observamos que se trata de Psiquiatria dos anos 1920...

     O caso que vamos relatar aqui é curioso por se tratar de um indivíduo que desenha regularmente, conhece música, faz versos e toca bem violão.
     Vejamos a sua história psiquiátrica:

     M.R.(1), 20 anos, branco, solteiro, brasileiro. Entrado no Hospital de Juquery em 15 de maio de 1924.
     De seu balanço genealógico, sabe-se que seu avô materno foi alienado.
     As primeiras perturbações mentais foram observadas em fins de 1923; esse primeiro desequilíbrio durou 2 meses, voltando o doente à calma, subitamente, para de novo mostrar-se agitado, turbulento, perigoso, cometendo uma longa série de atos desatinados e destruidores, em fevereiro deste ano. Sua infância correu sem graves acidentes de saúde; seu desenvolvimento físico e psíquico foram normais; seu espírito foi lúcido, de inteligência muito viva, observação meticulosa, atenção pronta, de grande atividade física e psíquica, mas sempre de gênio inquieto, sem perseverança, quase sem espírito crítico, a sua mocidade tem sido movimentada, rica de atos extravagantes e excêntricos; arquiteta grande número de planos de vida por um prisma de otimismo e confiança; quase todos os seus atos são precipitados, e os seus conceitos são inconsequentes. As suas narrativas são vivas, denunciando grande jogo de imaginação; a sua memória é exaltada, recorda-se com facilidade e precisão de imagens remotas, nomes, datas, etc. A associação das ideias é perfeitamente regular, sem exposição precipitada e confusa; responde a tudo com extrema facilidade e precisão; seu espírito é lúcido e bem orientado no tempo e no espaço. Seus conceitos são lógicos, bem encadeados, mas não são razoáveis no maior número das vezes, pela falência da faculdade de crítica que inibe qualquer ponderação justa. Os seus atos também tornam-se extraordinários e extravagantes pela mesma falta do juízo crítico; para o doente tudo o que faz é natural e perfeitamente racional. Muito habilidoso, e com desenvolvido sentimento artístico, toca admiravelmente violão e desenha com perfeição; observa-se um fato muito interessante quando toca violão; em meio de qualquer música de execução difícil, ele enxerta variações de sua própria imaginação, de incrível beleza e ritmo de notável originalidade. De agitação motora moderada, o doente é um contínuo inquieto, passa os dias em plena atividade, preocupando-se com tudo que afeta a sua atenção, sempre muito pronta ao serviço de sua observação muito viva, mas sempre muito inconstante. O doente é inquieto, mas as suas atitudes são normais, não há maneirismo, estereotipias, etc. O seu humor é alegre e expansivo, é delicado e obediente; mas algumas vezes torna-se exaltado e mesmo violento. Não apresenta delírio e nem perturbações perceptivas. O seu sono é tranquilo e prolongado. Não observamos grandes alterações de sua emotividade. Sentimentos éticos presentes, sem baixa e nem perversões; as suas aflições são moderadas, e guarda atitude normal para com a sociedade; não pratica atos imorais e nem pronuncia termos obscenos. Fala corretamente, sem dificuldades de articulação, a sua dicção é ótima. Marcha firme e bem orientada, todos os seus movimentos voluntários são bem coordenados.
     Diagnóstico: Loucura Moral. Excitação maníaca.

     Nesse doente, a manifestação artística se observa sob vários aspectos: desenho, pintura, música e poesia. Possuímos grande coleção de desenhos de M. Quase todos esses desenhos são de caráter obsceno. Exceção de uma meia dúzia deles, cenas caricaturais, humorísticas, que lhe revelam senso artístico acurado para essa disciplina.
     A fig. 78, por exemplo, é uma composição bem curiosa. Representa um “caipira” fumando cigarro. Fisionomia expressiva, sombreado inteligentemente cuidado e atitude otimamente compreendida, dão a essa figura a realidade do tipo estudado.
     A fig. 79 é um desenho de um busto de mulher mostrado de perfil. Afora alguns exageros de proporção, como no pescoço e na parte superior do dorso, o desenho é bom. Nota-se que a preocupação maior do autor foi a de acentuar nessa figura a forma dos seios, imprimindo-lhes um tanto de sensualidade.
     A fig. 80 é um desenho defeituoso, desproporcionado e de caráter lascivo. Se bem que estejam nessa figura os caracteres sexuais femininos notadamente marcados, entretanto observa-se nela qualquer coisa de andrógino, tal a masculinidade do tórax e do pescoço e também a expressão da cabeça. Nesse nu que não é artístico o autor só se preocupou em realçar com mais luxúria do que nas figuras anteriores, as zonas erógenas do sexo feminino.
     A fig. 81 representa um indivíduo sentado onanizando-se. A composição é bem feita.
     No desenho da fig. 82, o caráter dominante é a obscenidade. São dois indivíduos em atitude sexual. Desenho mal feito.
     Aqui está, pois, um caso bem curioso. Esse doente, que conserva no Hospital sentimentos éticos, atitudes normais perante os seus camaradas e não pratica atos indecentes, no entanto desenha grande número de quadros francamente obscenos.    

1 – Dos Archivos Psychiatricos do Hospital do Juquery. Anno 1924.

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Osório César – Capítulo 6 – Parte 5 – A expressão Artística nos Alienados


No texto abaixo, é interessante notar a posição de Osório César em oposição às ideias de Lombroso, sobre o criminoso nato. Assim também em relação aos que classificam a chamada "loucura moral" entre os quadros constitucionais. 

...continuação do texto de Osório César...


     Estudemos agora a arte na loucura moral.
     Que é loucura moral? “É uma situação degenerativa, diz J. de Mattos [1], caracterizada pela ausência ou perversão dos sentimentos de piedade e de probidade, que na sua forma elementar constituem o mínimo de senso moral indispensável à vida coletiva”. Ótima definição. Clara. Sintética. Exatamente fiel ao quadro nosológico, que os autores clássicos dessa afecção mental traçaram. Vejamos como descreve G. Ballet [2] o tipo de loucura moral: “Os loucos morais manifestam o mais das vezes, desde criança, suas tendências perversas. Profundamente egoístas e desconfiados, de uma falta de coração absoluta, essas crianças, diz muito bem Schüle, não possuem nada de criança. Não estimam a ninguém; as carícias os importunam; são insensíveis às repreensões como aos elogios, à dor como à alegria de seus pais; a desobediência e a mentira são para eles como uma necessidade, da qual não podem se afastar. Excessivamente vaidosos, já cheios de si, não podem tolerar uma direção qualquer e fazem o contrário do que se procura obter deles. São facilmente irritáveis. Pela menor contrariedade têm violentos acessos de cólera que se acompanham de movimentos impulsivos mais ou menos perigosos. Invejosos, rancorosos, vingativos, procuram fazer mal àqueles de quem pensam ter queixas e são muito capazes de preparar-lhes subreptícias e pacientemente vinganças que levam até a ferocidade. Mas, são também friamente maus sem nenhum motivo, divertindo-se em torturar os animais e em bater nos seus camaradas mais fracos. Na escola, são extremamente preguiçosos, de maneira que nada aprendem e ficam sempre fazendo-se os últimos da classe, fazendo-se expulsar de todos os estabelecimentos para onde vão. Nem a doença, nem a violência podem dominar esses caracteres ingovernáveis, sempre prontos à revolta e, muitas vezes, os pais são obrigados a colocá-los em estabelecimentos especiais de repreensão, ou em casas de correção, de onde eles saem, aliás, mais viciosos ainda”.
     A esse conjunto de fatos, que constitui grave desvio do senso moral, caracterizado pela perversão dos sentimentos afetivos, sem perturbação notável da inteligência, alguns psiquiatras até hoje ainda consideram autonomia nosológica, conservando assim a denominação que Pritchard criou, em 1835, de loucura moral (moral insanity).
     Muito se tem discutido e escrito acerca dessa afecção. E isso em várias disciplinas. Na Medicina. Na Jurisprudência. Modernamente, depois que se conhecem bem os estados mentais de muitas psicopatias, a loucura moral tem perdido bastante o sentido nosológico de moléstia constitucional, que os tratados dão. Ninguém hoje deve pensar como Lombroso, que assinalou os caracteres do louco moral como sendo iguais aos do criminoso nato – tipo este criado por ele, para designar taras constitucionais de indivíduos portadores de acentuadas anomalias físicas e psíquicas. Lombroso dividiu os criminosos em loucos epilépticos, loucos morais, criminosos natos, criminaloides e criminosos por paixão. Em qualquer deles, admitia um fundo epilético essencial. Toda gente sabe que o criminoso nato não existe. Afrânio Peixoto diz que o louco e o criminoso não diferem entre si. Este nada mais é do que aquele, após haver cometido o crime. – Perfeitamente exato.
     A loucura moral é uma síndrome e não uma moléstia constitucional. Haja vista os inúmeros casos hoje melhormente observados, de sequelas de encefalites, responsáveis por esses caracteres incorrigíveis de indivíduos que apresentam os sintomas da loucura moral.
     Na classificação da Sociedade Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal, a “moral insanity” tem sido colocada, por vários psiquiatras, no Nº 13, sob o título de outras psicopatias constitucionais (estados atípicos de degeneração). Não podemos concordar que a loucura moral caiba nesse grupo da referida classificação. Não se nasce louco moral da mesma maneira que não se nasce criminoso.
     Outrora era encaixada no velho grupo das monomanias de Esquirol, essa forma degenerativa dos sentimentos morais. Depois foi desmembrada daí por Esquirol, para tomar o nome de monomania intelectual, visto observarem-se certos atos delituosos em indivíduos, sob influências de concepções delirantes. Em seguida vieram as denominações de monomania instintiva, monomania raciocinante. Esta, por sua vez, tomou diversos nomes, de acordo com os psiquiatras da época. Assim, para Pinel, mania do caráter; para Brierre, loucura da ação; para Morel, loucura instintiva; para Trelat, loucura lúcida; finalmente, para Pritchard, loucura moral.
     As manifestações artísticas nos loucos morais não são raras. Elas se apresentam na maioria das vezes bem equilibradas e com um cunho de originalidade distinto.


Observações e referências de Osório César:
1 - Elementos de Psiquiatria, pag. 530. Porto, 1911.
2 - Traité de Pathologie Mentale, pag. 646. Paris, 1903.