Osório César inicia o capítulo com um texto com breves citações do que
será apresentado.
Como os antigos consideravam a inspiração poética. Os delírios de
origem celeste. “Nulium magnum ingenium, sine mixtura dementiae”. Classificação
da arte nos alienados por vários autores: a classificação de M. Pailhas (d’Albi)
e a de M. Réja. Poesias de um demente precoce paranoide do Hospital do Juquery.
Neologismos, incoerências, salada de palavras na literatura dos “loucos”
(estudo comparativo com a literatura futurista).
A inspiração poética foi
considerada na Antiguidade como o efeito de uma possessão temporária do ser
humano pela divindade. Platão enumerou os delírios de origem celeste, assim distribuídos:
o delírio dos profetas, inspirado por Apolo; o delírio dos poetas, inspirado
pelas Musas; o delírio dos bacantes, inspirados por Baco; o delírio dos
amantes, inspirado por Eros. Daí a origem dessa inspiração na antiguidade, considerada
como uma possessão temporária dos deuses. Os loucos e os gênios se confundiam
num mesmo “furor”, num mesmo “delírio”, inspirados pelos poderes divinos, sendo
igualmente respeitados e adorados. Sócrates já havia notado que os poetas “compunham
por instinto, da mesma maneira que os oráculos, sem consciência daquilo que
eles diziam”. E Platão: “O poeta é coisa sutil, instável e sagrada; ele jamais
cantará sem a intervenção de um transporte divino, sem um doce furor”.
Aristóteles dizia que sob os
acessos das congestões cerebrais “diversas pessoas tornavam-se poetas, profetas
e sibilas; que Marcos de Siracusa fazia versos muito bem quando sua razão se
perturbava, enquanto que era incapaz de fazê-los uma vez curado” (1).
Em Fédon, Platão diz (pag. 224) que
o delírio não é bem um mal, é antes um bem, e mesmo um dos maiores, quando são
os deuses que o enviam, pois foi no delírio que as profetisas de Delfos e de
Dódona renderam mil serviços aos cidadãos da Grécia, ao passo que de sangue frio
elas não lhes serviram senão bem pouco ou mesmo nada.
Aristóteles tinha observado que
os homens ilustres – filósofos, sábios e poetas – eram “biliosos”, isto é,
neuropatas, hipocondríacos, melancólicos. Para esses homens, ele dizia
significativamente: “Nullum Magnum ingenium, sine mixtura dementiae”. E essa
verdade de Aristóteles foi tão bem observada, que no século XVII Boerhaave
escreveu também quase com os mesmos termos estas palavras: “Est aliquid delirii
in omni magno ingenio”.
Até mesmo Molière, em Le Médecin malgré lui, põe na boca de um
de seus personagens a sentença de Aristóteles: “C’est une chose admirable que
tous les grands hommes ont toujours du capriche, quelque petit grain de folie
mêlé à Science”.
“A poesia”, disse Shelley, “atua
de uma maneira divina e desconhecida mais além e por cima da consciência”.
“A função poética é um gênero de
processo psíquico que possui grandes analogias com os sonhos e com os outros
atos psicológicos de origem subconsciente, tais como êxtase místico, visões e
alucinações hipnagógicas que precedem ao sonho e ao período de fulguração
imaginativa que inicia a intoxicação alcoólica ou que produz a febre” (2).
“La poésie est l’empire de l’inquietude,
dit Max Jacob, vers um puissant realisme visionaire: ‘La poesie est l’enfance
retrouvée... le génie n’est que l’enfance nettement formulée... je finis pour
trouver sacré le désordre de mon esprit (3)”.
Assim, desde a mais remota
antiguidade, o conceito de que os alienados possuíam uma sobrenatural
inteligência foi admitido como uma verdade irrefutável. Mesmo entre os
psiquiatras antigos, a exaltação da mentalidade nos loucos constituiu objeto de
acuradas observações. Areteu da Capadócia (4), que viveu no ano 70, antes de
Jesus Cristo, dá disto cabal prova nas suas descrições, cujo espírito crítico é
de uma experiência digna de admiração quando se referia aos alienados. “Alguns
maníacos”, diz ele, “adquirem uma facilidade e uma concentração de espírito
tal, que recordações que não estão senão imperfeitas neles, se revelam
imediatamente com a maior facilidade; conhecem a filosofia sem a ter apreendido
e a poesia como se eles tivessem estado em comunicação com as Musas”.
No século XVIII, Van Swieten (5)
recolhe a observação de uma mulher que compunha versos durante seus acessos de
mania com uma admirável facilidade, se bem que ela nunca mostrasse o menor
talento poético no estado de saúde.
Hoje em dia, os documentos
literários e artísticos dos loucos são bem numerosos, melhores observados,
reunindo repositório de estudos psiquiátricos apreciáveis.
“J’ose dire que s’il y a encore un
livre curieux à faire au monde” – disse Nodier – “c’est la bibliographie des
fous, et que, s’il y a encore une bibliothèque piquante, curieuse et instrutive
à composer, c’est celle de leurs ouvrages”.
Notas de Osório César:
1 – De Pronost. – Citado por
Lombroso – L’homme de génie, pag. 2, Felix Alcan, Paris, 1909.
2 – Lafora. Don Juan, los
milagres y otros ensayos. Madrid, 1927.
3 – René Lalece. Défense de l’homme,
pag. 83.
4 – De causis et signis morborum.
Trad. Renaud, liv. I, Chap. VII. Citado por Antheaume et Dromard. “Poésie et
Folie”. Paris Doin, 1908, pag. 166.
5 – Citado por Antheaume et
Dromard, pag. 167.