Osório César foi um dos primeiros psiquiatras brasileiros interessado em estudar a arte produzida por pacientes psiquiátricos, tendo iniciado esses estudos nos anos 1920 no Hospital do Juquery. Seu nome e seus trabalhos estão quase esquecidos. Este blog procura divulgá-los.

sábado, 4 de junho de 2016

Capítulo 6 - Parte 3 - A expressão artística nos alienados

...continuação do texto...

[Osório César refere agora um texto do mesmo paciente a respeito de Freud]

     Apreciemos agora a sua crítica de um livro de Freud:

    (A psicanálise aplicada à Vida Cotidiana – Edição de Payot. Paris, 1924).

     Preliminarmente: - Freud é tão sutil, que toca os limites da acuidade e sendo da análise micro-subjetiva; ou, também, é tão Grande seu poder indudedutivo, e sua visão analítica, que, por isso mesmo, degenera em sutileza psicopatológica, de fato, emaranhada.
     As obras do ilustre Precursor da Psicanálise são inabordáveis, como todo o demasiado profundo. Já disse, eu, algures, que Freud é um tanto prematuro, desde logo que suas Teorias, - por outra parte famosas – não encontram na maioria, terreno intelectual adaptável... O espírito humano contemporâneo, apesar de sua enorme cultura, não está, para mim, suficientemente preparado, para digerir concepções tão fundas, e tão radicalmente súbitas... De outra maneira, e para usar a linguagem freudiana, o subconsciente intelectual, o subsolo subjetivo da generalidade dos Leitores é incapaz de fazer germinar a semente portentosa, de semelhantes Teorias... Só um pequeno núcleo de Artistas e Intelectuais de escol pode ler, mastigar, e digerir as doutrinas do ilustre Professor de Viena. E a razão é óbvia: - o genial que voa é só acessível aos que têm asas no organismo espiritual. É o caso de Nietszche, e todos os escritores que, por sobrepassar o nível geral, desequilibram, com suas concepções originais, (no presente caso, Freud) – o acervo comum dos conhecimentos adquiridos. O qual, não quer dizer que o século atual seja estritamente incapaz: aquela observação simplesmente significa que, intelectualmente, os tempos correm, são ainda impreparados para receber modificações no status quo, por mil razões sociológicas, eminentemente conservadora... Repito: só a Elite pode ler certos autores que, como Freud, derrubam e devastam princípios consuetudinariamente amitidos como dogma...   
     Realmente. No reino do Interior Humano, a evolução apreensível é lenta, e quaisquer tentativas de explicação satisfatória resultam contraproducentes e antecipadas. A razão? – Estar o Cérebro e seus reflexos, por agora, numa permanência quieta; o que dá lugar a um estado embrionário de estudos aventurados e hipotéticos, que as Massas não admitem sejam radicais, casualmente por seu conservantismo constitucional e ancestral!
     Que é a Ciência da Alma? Conjecturas mais ou menos científicas, que as Multidões querem que não evoluam rapidamente. Por que? Por o móvel do Medo (motivo freudiano) de ver o arraigado decair!
     Que é o Eu e sua Mecânica?
     Um Labirinto, até hoje insondável, precisamente por o temor de receber novas concepções, verdadeiramente evolutivas e competentes. Quem? A mesma Multidão, que, em todo caso, é a maioria!
     A Ciência Subjetiva, ao não poder ser apanhada por o Laboratório, se converte em Dúvida Ortodoxa, ou em Fé automática. É o triunfo do Fanatismo multicor e hereditariamente teológico! Triste Verdade que apavora o ânimo e a ânima científica! Mais... Que fazer? Esperar casualmente que se consolidem os estudos e investigações cerebrais para a Ciência e Porvir Próximos!
     Os mais célebres Cérebros fracassaram em seu intento de explicar à engrenagem cortiçal, e fracassaram por o preconceito de abaixo, e dizer, por a omissão ignorante da Coletividade, sempre em direção teimosa ao quietismo. Aquela teimosia é obra da Propaganda teológico-religiosa, sempre inclinada a não deixar passar o preconizado por os verdadeiros Pensadores, homens máximos que baixo quaisquer aspecto, derrubam diafragmas místico-sociais!
     Os investigadores científicos – malgre os esforços fanáticos – continuam em seu labor em busca da Pesquisa Provável do como e porque cranial!
     A Fisiologia, a Histologia e a Anatomia Patológica do Cérebro são coisas certas: - constituem Teoremas evolutivos fixos de conhecimento definitivo. A parte Físico-Química do Córtex também está no terreno das aquisições biológicas seguras... Mais... A Psicologia in intra do Espírito, essa... não aparece. O mecanismo intelectual per se da Alma... escapa. A perspicada filosófica faliu, ao querer definir e adquirir as noções precisas e matemáticas do Eu... Desde os Helênicos, investigadores e fundadores de teorias e sistemas (Platão e sua escola, Sócrates e a sua) até os modernos bandeirantes da Investigação espiritual (Kant e os seus, Bergson, Balmes e as mil escolas hodiernas) – todos hão fracassado nesse ponto misterioso do mecanismo vital e psíquico da constituição íntima da Psique!
     Paradoxo? Por que? – As fontes da Alma não estão, por ventura, ocultas à mesma Alma? Parodiando Pascal, não se pode assegurar, como Postulado da deficiência humana, que o Cérebro tem razões que o próprio Cérebro desconhece e ignora?
     Os grandes Filósofos e célebres Psicólogos que hão feito, senão recuar perante a Esfinge polilateral e poliforme do Porque Cerebral?
     O mesmo Platão, com suas ideias suprassensíveis; o próprio Kant, com seu apriorismo duvidoso; o tão meneado Descartes, com suas equívocas e ferrenhas conclusões; Freud, Maudsley, Cl. Bernard, Wirchow, com suas inovações fundamentais e preciosas... quem, dentre eles e o que há podido alicerçar axiomaticamente o modus operandi certo, genuíno, matemático e legítimo do Córtex? Ninguém!
     Porque, se é certo que os grandes Biologistas e Filósofos hão esclarecido, relativamente, é entrada do aparelho Psíquico; esses Filósofos, Biólogos e Fisiologistas não hão obrado ainda o milagre divino da Patologia Psicológica completa, certeira, precisa, invulnerável do Eu!
     Repito: - Só aproximadamente se podem explicar as misteriosas gestações do dínamo energético do Cérebro... E esse, apesar dos pesares de Séculos e Séculos de labor!
     A “Psicopatologia da Vida Cotidiana” de Freud é um livro, senão revelador por o menos fortemente original, e cosmopolitamente profundo. Na Literatura Médico-Analítica, e mesmo aquele volume majestoso, uma verdadeira rareza, pois... não está o Público enjoado de ler erudição barata e insubstancial? – Não há fecundidade mais fastidiosa, em verdade, que aquela dos Psicólogos Patologistas, que, dia a dia, enchem as Livrarias de volumes de pura ciência... bibliográfica! O Livro de Freud é um conforto para os Estudiosos (de Inteligência forte) à vez uma necessidade de Biblioteca cultural!
     Nos diversos capítulos da Obra, Freud estuda a “vie courante” interpretada à luz de sua psicanálise... O qual quer dizer somente que o Célebre Autor aborda os fenômenos por o lado de suas manifestações essencialmente psíquicas.
     Ditos fenômenos os localiza no campo estrito da Contaminação inconsciente, em relação, naturalmente, com a esfera do Consciente. Estas palavras consciente e inconsciente, com seus afinos linguísticos e psicológicos, hão sido o tema de moda mais em voga nestes últimos tempos, devido às preconizações do próprio Freud. De passo, há que advertir que quaisquer estudantes de preparatórios, quaisquer meninas lidas têm esses vocábulos na ponta da língua, para todo uso. He aí um ato de Psicologia inconsciente... Ou melhor, fica nesse detalhe apontada a Sintomatologia duma Decadência verbal de inconsciência coletiva...
     Se, como se sabe, as Doutrinas Freudianas são coisas ásperas, como explicar que todo mundo tenha, na conversa, essa profunda doutrina, para todo e em todo? A razão cai baixo à ação condenatriz dessas mesmas premissas científicas que estigmatizam, como verbalismo inócuo e fatal, o prurido inconsciente de falar sobre tudo, sem dar-se conta de que a língua é a pior inimiga do Consciente!
     A motivação freudiana e altamente culta, sadia e meritória, para estar-se usando à larga mão e língua por os deserdados do Talento, que por aí andam, em maioria revoltante!
     Os processos mentais, tratados com maestria por o Colosso de Viena, não são para misturas verbais dos Palavreiros que, escudados com uma fácil literalice, querem (coitados) enxergar Problemas e Fenômenos, ainda em gestação experimental. Há que gritar bem alto: As obras e análises freudianas são, exclusivamente, para os supercompetentes!
     Analisando as “meprises” e “reprises”, estudando os “Conflitos” internos; aclarando “estradas” subjetivas; classificando as ações “refoulés”, catalogando as funções de “associação” e “excitação”, Freud é assombroso! Localiza, por assim dizer, o “inconsciente” e “consciente” num plano visual para a Consciência de Leitor preocupado. Enfim, Freud perturba ao estudar as forças “perturbatrices”. É uma Vertigem aquele Homem. Faz até mal ler-lo sem premeditação Consciensuda. Eu não sei se os Psiquiatras, - tão amigos de encontrar síndromes degenererativas, onde há gênio – eu não sei, repito se ao ler Freud, se terão vingado – ao ver sua incompetência de apanhá-lo, - chamando de Louco!
     O livro que me ocupa não trata de fator sensual – Chave de Ouro de Freud.
     A razão está em que neste Volume o autor não trata senão de reflexos “manqués, lapsus verbais e de Memória e atenção, tratados segundo o experimentado pelo próprio autor... É uma espécie de autoanálise esta notável obra do celebérrimo Freud...        “1926”

     O seu estilo, como acabamos de ver, é bem característico e tem um cunho de originalidade pessoal. O ritmo das palavras é cadenciado e a música agradável ao ouvido. Como expressão é encantadora a sua prosa. Ela é quente e vibrante. Nesse artista degenerado, cuja produção literária é assombrosa, o que mais nos chama a atenção para o seu desequilíbrio mental são: a disposição desordenada de suas ideias anarquistas e a egolatria desassombrada na apreciação de sua individualidade.