Osório César foi um dos primeiros psiquiatras brasileiros interessado em estudar a arte produzida por pacientes psiquiátricos, tendo iniciado esses estudos nos anos 1920 no Hospital do Juquery. Seu nome e seus trabalhos estão quase esquecidos. Este blog procura divulgá-los.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Capítulo 3 – Parte 2 – A Expressão Artística nos Alienados.

Osório César continua com o tema que ele subintitula como “O ‘Autismo’ do Professor Bleuler”. Frisamos que esse conceito inicial de Bleuler com essa designação, modificou-se gradativamente posteriormente.

...continuação do texto...

Nos artistas, literatos, poetas, escritores, o temperamento autístico é bem desenvolvido. Neles, a facilidade com a qual mergulham o seu pensamento no sonho, para de lá retirarem as preciosidades que exteriorizam nos encantos de uma obra de arte, é conhecida de todos nós.
Escutemos, por exemplo, o poeta de “Vana” (1), na “Canção do Louco”, poesia que é um primor de nossa literatura:

Canção do Louco

Meu cérebro é um moinho tenebroso,
um moinho que gira sem cessar.
Um vento mudo e misterioso
fá-lo girar.

É velho e pardo, abandonado e feio
como bem poucos.
Já m’o disseram e eu também creio:
- É o moinho dos loucos.

E a roda gira! De girar não cessa!
Os grânulos de ideia vão tombando...
E a mó de pedra sempre mais depressa
pulverizando.

Estranho moinho, o teu destino é triste!
Teu tormento indizível é sem fim.
Ah! Na verdade em parte alguma existe
um outro moinho assim!

Minho ambulante, de onde vem o vento,
teu algoz, invisível e maldito?
...E a mó sempre a moer o pensamento.
- Trigo infinito!

Mas este mundo é muito curioso:
- Que quer dizer toda essa gente infinda
de boca aberta, a me fitar?
Homens de juízo, não sabeis ainda?
Meu cérebro é um moinho tenebroso,
um moinho que gira sem cessar...

“Na criança (1*), o pensamento autístico permite a satisfação dos mais ardentes desejos: nos jogos, nos brinquedos, nos contos maravilhosos, ela sonha uma vida cheia de prazeres, com todos os atributos de uma existência real. O petiz que brinca de general, cavalgando um cabo de vassoura, sente-se a criatura mais poderosa do mundo e aquele pedaço de pau tem para ele todas as qualidades de um fogoso corcel”.
“No homem adulto civilizado, o autismo se manifesta com a máxima intensidade nos sonhos noturnos. Durante a vigília, ele acarreta uma intensa atividade imaginativa, que vai desde o simples devaneio até as formas mais elevadas da imaginação estética e científica”.
“A introversão é, pois, uma situação de equilíbrio instável entre a saúde e a doença, bastando um pequeno desvio na distribuição da energia psíquica para que se manifeste a alienação mental”.
“No introvertido, a vida imaginária e interior tende a predominar cada vez mais sobre a vida real e exterior. Como ensina Ribot, ele distingue dois mundos, dos quais um é preferido e outro apenas experimentado. Mas crê em ambos e tem a consciência  de passar de um para outro: há alternativa. No alienado, a distinção entre os dois mundos desaparece. Suas fantasias são invertidas de uma realidade objetiva e os elementos exteriores não mais o atingem ou são interpretados de acordo com o seu delírio: não há mais alternativa”.
É o que vemos na demência precoce, na parafrenia e na paralisia geral.

Notas de Osório César:
1 – José Lannes – “Vana”. São Paulo, 1920.
1* - Durval Marcondes. O simbolismo estético na literatura. São Paulo, 1926.