Osório César foi um dos primeiros psiquiatras brasileiros interessado em estudar a arte produzida por pacientes psiquiátricos, tendo iniciado esses estudos nos anos 1920 no Hospital do Juquery. Seu nome e seus trabalhos estão quase esquecidos. Este blog procura divulgá-los.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Capítulo 2 – Parte 7 – A Expressão Artística nos Alienados.


...continuação do texto...

A dança

A dança (1) se apresenta, entre os alienados, com um ritmo caracteristicamente primitivo. É muito mais frequente nas mulheres do que nos homens. Na maioria das vezes ela é acompanhada de canto. O doente sapateia seguindo o ritmo melódico e dá umas viravoltas da esquerda para a direita e vice-versa, derreando o corpo para um lado. A impressão que sentimos ao presenciarmos esta dança é a mesma descrita pelos viajantes das danças dos primitivos.
A dança parece ser um sentimento estético de transição entre as artes de repouso e as de movimento.
Nos povos primitivos as danças têm uma importância considerável; ela é sempre acompanhada de canto.
Primitivamente, diz Ribot (2), a dança tinha uma significação sexual guerreira, religiosa; estava apropriada para todos os atos solenes da vida pública e privada. Nos indígenas da América do Norte, havia danças de guerra, de paz, de negociações diplomáticas, de caça em comum; outras para cada deus, para as colheitas, os mortos, os nascimentos, os matrimônios. Os negros têm por ela um amor levado ao delírio. Os antigos chineses julgavam dos costumes de um povo segundo sua dança; tinham um grande número delas, às quais davam nomes diferentes.
Nas tribos selvagens o que caracteriza ainda hoje a dança é a ordem rítmica de seus movimentos.
Grosse (3) divide a dança nos povos caçadores em dois grupos: danças mímicas e danças ginásticas. As primeiras consistem em imitações rítmicas de movimentos de homens e de animais; as segundas não imitam nenhum modelo natural. As duas espécies de danças existem entre a maior parte das tribos primitivas.
As danças ginásticas mais conhecidas são as dos Australianos, denominadas de corroboris.
A dança mímica dá ao homem um prazer inteiramente diferente do da dança plástica, que é profundamente sensual. Ela satisfaz os desejos de imitação que nos primitivos chega a apresentar sob a forma de verdadeira mania. Os Bochimanos imitam com prazer “os movimentos de certos homens e animais”. Achamos nisso uma analogia entre as danças dos primitivos, das crianças e dos loucos. O prazer da imitação nas crianças, como em certos alienados (nos maníacos, por exemplo), observa-se frequentemente pela representação de suas danças mímicas.
A maior parte das danças primitivas é de significação puramente estética, de fito emocional (1*).
Ribot (2*) diz que a dança primitiva é uma manifestação completa de estética, que encerra a forma embrionária de duas artes destinadas a se separarem mais tarde por evolução: a música e a poesia. “Música pobre, diz ele, reduzida às vezes a três notas, mas notável pelo rigor do ritmo e do tempo. Poesia pobre, que consiste em uma frase curta, repetida sem cessar, ou em monossílabos, sem significação precisa”.
Depois de havermos traçado por ordem os grupos diferenciados das artes nos alienados, poderemos agora melhor estudá-los separadamente, começando pelos desenhos dos dementes precoces.  

Notas de Osório Cesar:

1 – “A dança, diz Franco da Rocha (O Pansexualismo na doutrina de Freud. S. Paulo, 1920), é uma arte em que bem pouco se disfarça o sexualismo. Quem quiser se convencer disso, poderá ler, entre outros escritos, a Conferência de Martins Fontes, onde o ardoroso poeta descreve, com uma riqueza nababesca de linguagem, as devassidões sublimadas dessa arte. Como divertimento, na sociedade, é um derivativo da energia psicossexual; a prova disso é que a dança entre indivíduos do mesmo sexo é o divertimento mais sensaborão que pode haver. A dança, como o flirt, é uma realização econômica de tendências sexuais”.

Comentário sobre esse texto de Franco da Rocha: na leitura atual pode-se ter a impressão de julgamento moral do autor a respeito da dança, mas ele apenas fala dentro de uma linguagem freudiana da época. Aliás, ele costuma ser lembrado como o que primeiro escreveu um livro sobre Freud no Brasil. Além disso, também era comentado nas revistas médicas que ele promovia a dança entre os pacientes do Juquery.

2 – Th. Ribot. La psicologia de los sentimentos. Trd. Esp. Pag. 423, 1924.

3 – E. Grosse. Obra cit..

1* - E. Gross. – Obra cit. pag. 172.

2* - Ribot – Obra cit..