...continuação do
texto...
A dança
A dança (1) se apresenta, entre os alienados, com um ritmo
caracteristicamente primitivo. É muito mais frequente nas mulheres do que nos
homens. Na maioria das vezes ela é acompanhada de canto. O doente sapateia
seguindo o ritmo melódico e dá umas viravoltas da esquerda para a direita e vice-versa,
derreando o corpo para um lado. A impressão que sentimos ao presenciarmos esta
dança é a mesma descrita pelos viajantes das danças dos primitivos.
A dança parece ser um sentimento estético de transição entre
as artes de repouso e as de movimento.
Nos povos primitivos as danças têm uma importância
considerável; ela é sempre acompanhada de canto.
Primitivamente, diz Ribot (2), a dança tinha uma significação
sexual guerreira, religiosa; estava apropriada para todos os atos solenes da
vida pública e privada. Nos indígenas da América do Norte, havia danças de
guerra, de paz, de negociações diplomáticas, de caça em comum; outras para cada
deus, para as colheitas, os mortos, os nascimentos, os matrimônios. Os negros
têm por ela um amor levado ao delírio. Os antigos chineses julgavam dos
costumes de um povo segundo sua dança; tinham um grande número delas, às quais
davam nomes diferentes.
Nas tribos selvagens o que caracteriza ainda hoje a dança é a
ordem rítmica de seus movimentos.
Grosse (3) divide a dança nos povos caçadores em dois grupos:
danças mímicas e danças ginásticas. As primeiras consistem em imitações
rítmicas de movimentos de homens e de animais; as segundas não imitam nenhum
modelo natural. As duas espécies de danças existem entre a maior parte das
tribos primitivas.
As danças ginásticas mais conhecidas são as dos Australianos,
denominadas de corroboris.
A dança mímica dá ao homem um prazer inteiramente diferente
do da dança plástica, que é profundamente sensual. Ela satisfaz os desejos de
imitação que nos primitivos chega a apresentar sob a forma de verdadeira mania.
Os Bochimanos imitam com prazer “os movimentos de certos homens e animais”.
Achamos nisso uma analogia entre as danças dos primitivos, das crianças e dos
loucos. O prazer da imitação nas crianças, como em certos alienados (nos
maníacos, por exemplo), observa-se frequentemente pela representação de suas
danças mímicas.
A maior parte das danças primitivas é de significação
puramente estética, de fito emocional (1*).
Ribot (2*) diz que a dança primitiva é uma manifestação completa
de estética, que encerra a forma embrionária de duas artes destinadas a se
separarem mais tarde por evolução: a música e a poesia. “Música pobre, diz ele,
reduzida às vezes a três notas, mas notável pelo rigor do ritmo e do tempo.
Poesia pobre, que consiste em uma frase curta, repetida sem cessar, ou em
monossílabos, sem significação precisa”.
Depois de havermos traçado por ordem os grupos diferenciados
das artes nos alienados, poderemos agora melhor estudá-los separadamente,
começando pelos desenhos dos dementes precoces.
Notas de Osório Cesar:
1 – “A dança, diz Franco da Rocha (O Pansexualismo na
doutrina de Freud. S. Paulo, 1920), é uma arte em que bem pouco se disfarça o
sexualismo. Quem quiser se convencer disso, poderá ler, entre outros escritos,
a Conferência de Martins Fontes, onde o ardoroso poeta descreve, com uma
riqueza nababesca de linguagem, as devassidões sublimadas dessa arte. Como
divertimento, na sociedade, é um derivativo da energia psicossexual; a prova
disso é que a dança entre indivíduos do mesmo sexo é o divertimento mais
sensaborão que pode haver. A dança, como o flirt,
é uma realização econômica de tendências sexuais”.
Comentário sobre esse
texto de Franco da Rocha: na leitura atual pode-se ter a impressão de
julgamento moral do autor a respeito da dança, mas ele apenas fala dentro de
uma linguagem freudiana da época. Aliás, ele costuma ser lembrado como o que
primeiro escreveu um livro sobre Freud no Brasil. Além disso, também era comentado nas revistas médicas que ele promovia a dança entre os pacientes do Juquery.
2 – Th. Ribot. La psicologia de los sentimentos. Trd. Esp. Pag.
423, 1924.
3 – E. Grosse. Obra cit..
1* - E. Gross. – Obra cit. pag. 172.
2* - Ribot – Obra cit..
Nenhum comentário:
Postar um comentário