Osório César foi um dos primeiros psiquiatras brasileiros interessado em estudar a arte produzida por pacientes psiquiátricos, tendo iniciado esses estudos nos anos 1920 no Hospital do Juquery. Seu nome e seus trabalhos estão quase esquecidos. Este blog procura divulgá-los.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Capítulo 1 – Parte 12 – A expressão artística nos alienados


...continuação do texto...

Entre as tribos australianas, as canções são simples, muito curtas e encerram, como em todos os primitivos, uma filosofia ingênua.
Elas são ordinariamente acompanhadas de uma música monótona, cuja tonalidade grave é repetida pelo cantor durante horas inteiras.
Os australianos acompanham suas canções com um instrumento de música chamada Boorla, que produz sons graves e que “muito se assemelham ao barulho do vento nos eucaliptos” (2*).
As danças nativas têm músicas características, cujo ritmo regula os movimentos dos dançadores.
A composição poética abaixo é a de um canto breve dos naturais do oeste (3); ela é modulada como uma ária selvagem e se refere a um ato de vingança comemorando uma data remota, por um nativo de nome Warbunga:

Kad – já bar dook                  Ta hache de guerre est là
War bunga  loo                      O Warbunga
War bunga la,                        O Warbunga
Kad – ja bar dook                  Ta hache de guerre est là,
War bunga loo,                      O Warbunga
Narra dau – na,                      Prends – la et frappe,
War bunga la, etc.                O Warbunga, etc. (1*)

Um outro canto australiano, muito interessante pela sua ingenuidade, é o canto das raparigas, à noitinha, quando as estrelas começam a aparecer.
Vejamos o poema no original e a tradução de Perron D’Arc (2**).

                              Une voix.

Djal – lo lya lana?               Irons – nous à la danse?
Djal – lo lya lana?               Irons – nous à la danse?

                               Choeur.

Mongada, Mongada          Allons. Allons.
Mongada, Mongada          Allons. Allons.

                            Une voix.

Djal – lo iouls lana?            Ala danse et aux chansons?
Djal – lo iouls lana?            Ala danse et aux chansons?

                             Choeur

Wonga – da. Wonjada       Courons. Courons.
Wonga – da. Wonjada       Courons. Courons.

Ao mesmo tempo que eles cantam essa canção batem com as mãos para marcar o ritmo do canto.
Os viajantes observadores que relatam os costumes da vida dos habitantes da África ocidental, quando se referem à arte e à literatura desse povo, consideram os seus poemas como admiráveis obras literárias.
Vamos ver um dos cantos mais interessantes da literatura dos  negros da África Ocidental, que transcrevemos para aqui do livro de Pierre Bouche (1**).

A ONÇA E O MACACO (2***)

“Escute a aventura da onça.
Um dia a onça, de tanto caçar sem proveito, fatigou-se. Cansada ela sentou-se. Mas os piolhos não a deixavam repousar.
Vê passar um macaco; chama-o, pedindo que lhe cate. Enquanto o macaco lhe cata ela adormece. Então o macaco segura a cauda da onça, amarra numa árvore e vai-se embora.
A onça acorda; quer levantar-se mas está presa pela cauda. Em vão se esforça para soltar-se; não o pode fazer; ela fica ofegante.
Aparece um caramujo. – ‘Por favor, desprende-me a cauda’, clama ela logo que o avista.
- ‘Não me matarás, na verdade, se te solto?’ retrucou o caramujo.
- ‘Certamente, eu não te farei nada’, disse a onça.
- O caramujo solta a onça. Esta vai para casa  e fala a todos animais:
‘Quando chegar o 5º dia, anunciem que morri e que vão me enterrar’.
Todos os animais disseram: está bem.
E no 5º dia, a onça está deitada, fingindo-se de morta. E todos os animais chegaram, e todos dançaram em torno dela, dançaram... A onça de repente se levanta, salta para derrubar o macaco. Mas o macaco fugiu, saltou para uma árvore.
Assim, não pense que o macaco fique na terra: ele tem muito medo da onça”.
Como acabamos de ver, é uma história muito singela, movimentada, que pode despertar grande interesse à literatura infantil.

Notas:

2* – H. Perron D’Arc – Aventures d’un voyageur en Australie, 2ª édit. Hachette, pag. 247-250, 1870. 

1* - H. Perron D’Arc. Obr. Cit. Conservamos a tradução de Perron D’Arc.

2** - Obra cit. pag. 250. 

1** - La côté des esclaves et le Dahomey, pag 221, Plon. Paris, 1885.

2*** - A tradução é nossa. Esforçamo-nos por traduzir o mais claro possível, a fim de conseguirmos toda a simplicidade do original francês, tal como devem ser os poemas e os contos primitivos.