(no cabeçalho desta parte consta: "um literato excêntrico do Hospital do Juquery")
...continuação do texto...
Vejamos mais um caso de um doente paranoico, cujas produções
literárias são imaginosas e cheias de harmonia e beleza.
Em primeiro lugar vamos contar aqui a sua história
psiquiátrica:
“L. (1), colombiano, de
cor branca, de 40 anos, solteiro, acha-se no Hospital há mais de quatro anos;
foi preso como perigoso agitador popular. Não tem profissão; é
socialista-anarquista e, nas horas vagas... jornalista. Há mais de quatro anos
o observamos, sempre em estado hipermaníaco, nunca o vimos deprimido, nem um
dia. Inteligente, sempre animado, verboso, tem a palavra fácil, espontânea; é
orador nato. Dispondo de tal facúndia a serviço de ideias subversivas, não
poderá deixar de ser um homem perigoso
no meio de um populacho ignorante, ingênuo, que se deixará facilmente
empolgar pelo brilho do exterior de sua verbosidade balofa. Conserva intacta a
forma lógica exterior do raciocínio. Imaginação exaltada, concebe ideias e
projetos políticos, científicos e literários, sem descambar jamais para a fuga
de ideias ou para qualquer outra desordem associativa. Suas ideias nunca saem
da esfera do possível; sua palestra é picante, irônica e, por vezes,
espirituosa; o seu estado de humor eufórico é contínuo; raros são os momentos
em que se deixa arrebatar pela cólera, mas nem mesmo assim descai para a
confusão ideativa; é coerente, lógico. Não apresenta ilusões nem alucinações.
Sua atenção é normal e, frequentemente, até aguçada. Sua memória é fenomenal; é
o sintoma saliente de sua morbidez mental. Lê tudo que lhe cai às mãos e guarda
tudo que lê com pasmosa fidelidade. É prodigiosa sua faculdade de retentiva e
de evocação. Sua cabeça é uma miscelânea. Ali há de tudo: política, ciência,
literatura e arte. Basta tocar no assunto por
uma palavra, é o mesmo que puxar pela ponta o fio de um carretel. Pode
falar muitas horas seguidas, não se cansa; isso prova que se trata de um puro
automatismo ideativo. Quando dispõe de papel, pena e tinta, escreve tanto como
fala em outras horas; escreve versos, escreve artigos, sempre com a mesma
inesgotável fecundidade”.
“É um caso típico e
puro de mania mitigada ou hipomania. Que se trata de um degenerado, não resta a
menor dúvida; um cérebro que se tenha desenvolvido normalmente não apresentará
jamais esta forma de loucura”.
A nosso ver trata-se de um “paranoico”, de um degenerado
superior.
“Os degenerados têm quase sempre uma hipertrofia do ‘eu’(2),
uma exacerbação singular de sua personalidade, um egotismo mórbido em virtude
do qual nada vem fora de si próprio. Tudo que disto se afaste não os comove e
parece-lhes desinteressante e inútil. Assim, é-lhes impossível conservar uma
perfeita posição no mundo exterior. O que os caracteriza antes de mais, é a
própria incapacidade no adaptar-se às condições habituais da vida. O degenerado
egotista, antissocial, se não em ações, pelo menos por pensamentos, exterioriza
constantemente seu mal humor, sua insatisfação invejosa. A natureza, os homens,
tudo entretém sua revolta, seu pessimismo. Descuidado das opiniões
estabelecidas e dos costumes sociais, ele se exclui nos seus julgamentos
puramente subjetivos, confundindo o erro e a verdade, substituindo ao belo o
feio, e cultivando igualmente tanto o mal quanto o bem. Sempre à procura de
novas sensações, os degenerados, por vezes, são dotados de faculdades
brilhantes para descobri-los; são frequentemente engenhosos e, não raro,
artistas. No entretanto, a arte deles é desigual; suas produções denunciam
particularmente o próprio desequilíbrio, e suas obras refletem a falta de
unidade que é a base de sua psicologia. A par de uma sensibilidade doentia,
eles manifestam uma inclinação deplorável, uma tendência desastrosa para a
extravagância, um desejo incrível de originalidade, uma característica necessidade
de singular-se em tudo e por tudo. Essas emoções de que são ávidos, eles a
procuram fora do habitual e do moral"(3).
Esse quadro que acabamos de ver encaixa-se perfeitamente na
observação do nosso doente, se bem que a palavra degeneração tenha ainda
sentido muito discutido quanto à sua verdadeira acepção e significação. Leutz
(4) diz que somente devem ser colocados na classificação de degenerados os
idiotas, os imbecis e os débeis com ou sem perversões dos instintos ou das
aberrações do senso. Magnan, Lombroso, Toulouse já consideram assim a palavra
degeneração. Para esses autores, a denominação de degenerados se aplica a todos
os indivíduos, quer fisicamente, intelectualmente ou moralmente, que estejam
afastados do tipo normal da humanidade. Régis dá-nos uma ideia mais clara da degenerescência:
“é uma alienação constitucional”, diz ele, “que afeta a inteligência não
somente no seu modo de atividade, mas na sua própria constituição” (5).
Muitas vezes acontece que as taras físicas da degenerescência
observadas pelos autores não são constantes nesses indivíduos. Assim, Pitres e
Régis (6) fizeram notar a falta desses sinais somáticos na maioria dos
degenerados: “La plupart”, dizem eles, “ont le crâne bien conforme, les dents
bien implantées, les organes génitaux normalement développés; ils ne présentent
même pas plus solvente que les sujets réputés sains les petits stigmates
auxquels ont était porte naguère à attacher une importance fort exagérée”.
Magnan determinou graus de evolução nas degenerescências. Há,
portanto, o tipo de degenerados
superiores, que é constituído por simples anomalia. Há o tipo criado por
Régis de Monstruosidades e há o tipo
mais baixo, que é o tipo dos degenerados
inferiores; neste tipo estão incluídos: o
cretino, o idiota e o imbecil. Há ainda um outro grupo onde estão os degenerados médios: “Ce sont des
individus peu intelligents”, diz Vigen (7), “doués d’une certaine imagination,
d’une mémoire difficile ou uniquement d’une specialité de mémoire: celle des
dates, des noms propres, des chiffres par exemple. Les facultes d’ordre
son absentes. Ils sont donc incapables d’idées fécondes et se débattent sans
cesse dans ces conceptions étroites et stériles, et engendrent des associations
d’idées d’une pauvreté remarquale, des raisonnements d’une stupidité
désesperante, des jugements d’une faiblesse inouise. Ce sont, sous un autre nom,
des dèbiles et des arriérés”.
Voltemos ao nosso caso. Que se trata de um degenerado
superior é o que estamos convencidos com o caso de L. A sua observação atual em
nada se modificou. As suas teorias continuam anarquistas. Nunca está contente
com os prazeres que se lhe proporcionam. Continua a ler muito e tudo o que lhe
cai às mãos, desde os jornais até os anúncios de remédios. Daí, talvez, o seu
polimorfismo literário, pois escreve sobre todos os assuntos e com uma facilidade
espantosa. Os seus escritos são agradáveis à leitura e os seus períodos são
insinuantes, incisivos e doutrinários. A sua crítica é mordente e às vezes de
uma lógica irrefutável. Outras vezes, os seus escritos estão cheios de
paradoxos. Quem ler os seus trabalhos tem a impressão de ler um discípulo de
Vargas Vila, tal a semelhança que apresenta o seu estilo com o do escritor
colombiano. É preciso dizermos aqui que L. é um apaixonado admirador de Vargas
Vila; conhece quase todos os seus livros
e, se dermos crédito ao que ele diz, foi companheiro daquele apreciado
escritor.
Ouçamo-lo em
Reflecciones de un
Solitario...
Para J. (8)
Homenaje de alto
aprecio
I
El Psico-Análisis, para
uso y em uso de los Médico-mentalistas, no será un puñal, en manos de un loco?
II
El Psiquismo, á
disposición de los Psiquiatras, no será como un reloj, em poder de un niño?
III
Hace 150 años, que um Medico,
lhamado Pinel, descubrio El Recogimiento como única panacea, para las enfermidades
mentales y anexos. Pasado esse tempo, outro Médico célebre, Kraepelin, confirmo
la tal descubierta, aconsejando El Encierro (!) como remedio soberano, para
Locuras y Delirios. Recoger, Encerrar, Coatar, Aislar, he ahi la Fórmula,
antigua y moderna, em la cual se sintetiza el adelanto (?) de la famosa
Doctrina Alienifera. El progresso de La Psiquiatria, vá, pues, como el
Cangrejo, de adelante para atrás, ó mucho peor. I á eso lo lhaman Evolución!
IV
La Medicina Mental, no pasa
de un flagrante atropelo á las libertades individuales y al Derecho Natural. Si
fuese uma ciencia exacta, no tendria tantas lagunas y monstruosidades.
Sobretudo, si tuviese prévio desarrollo lógico, no tendria necessidad de la
ayuda de La Policia, para la tarea de Recoger! Los Delegados son, em realidad,
los verdaderos vehículos de esta semi-ciencia. De ahi ser odioso para El
Publico todo lo relacionado con hospícios y alienistas. El dia que desapareça
la intervención de los Secretas y tiras, no veremos en Los Hospicios, mayores
interdictos y otros revoltantes actos de origen policivo!
V
Los buitres devorando
el pecho de Prometeo! Quiza sea esa legenda mitológica, el mejor schema para
representar los sufrimientos de Un Hombre en el mulador de Un Hospicio!
VI
El Cristo lhamó á los
Hipocritas: Sepulcros blanqueados. Yo creo que no fué sino á los hijos de
Hipócrates que el se refirio! Habeis visto fachada de Petulancia igual a la de
los clínicos hospitalares? Observa los Hospicios. Que barniz atrayente! Que
fuentes! Que jardines! Si hasta parece que se musicaliza el Silencio! Eso en
los Halls. Y por dentro? Extorsión, Podredumbre, Necroterio Jeologico! Asi los
Psiquiatras. Externamente, sonrisas, promesas, armonia. Interiormente: Engano,
traición, canalhada!
c VII
Qué es La Alienologia? Un
Microbio macróbio – Una Lección Lesionada – Una imensa cantidad de Palabras
Palabreadas.
VIII
Qué es un Hospicio? Un
Hospicio es um Chiquero Evangelico; una cloaca mefítica; un Necroburgo, á
priori.
IX
El Monólogo, - dicen
los Psiquiatras, - es prueba de Degeneración. Esse es un preconcepto ad hoc y
fatal que los clínicos esgrimen para aumentar el valor de su pesquisa, y
rebajar la superioridad etiológica de ciertas manifestaciones intelectuales, ad
natum. Por ventura, no fué El Soliloquio, la prerrogativa de ciertos Grandes
Espiritus, aislados, concientemente, en el domínio inefable de La
Contemplación? Y qué es esta, sino el refugio abstraído de La Palabra y La
Idea? Los máximos Pensadores así lo comprendieron, desde Demóstenes que hablaba
sólo, á órillas del Helesponto, hasta MIchelet y De Maistre, que concebieron y
dieron a luz sus sublimes partos ortezales; monologando Mozart y Beethoven, hicieron sus famosas Partituras y Sonatas, conversando
consigo mismos. Y
San Agustin y Bossuet, dialogaban con ellos, es decir, con otro, Agustin y el
otro Bossuet, subgetivos… En la actualidad, Lloyd George y
Venizelos, palestran con su Yo, al componer sus vigorosas sinfonias oratorias…J…Mas
do que valem los ejemplos vividos, ante el analisis mortifero de los Patólogos
adocenados e incompetentes? Esos Sepultureros del Espirito que en todo buscan, ansiosos,
el átomo de la Malversasión e Incoherencia?
La armónica série de
Delectatión Artistica y Placer Creatriz, es siempre, para ellos, materia de
autopsia, y la Musica que todo individuo electo trae consigo, solo sirve a los
Patologistas, para espiar y apurar el sedante de mezquinos syndromas! Ironia
cruel que sólo el Desden combate y neutraliza, en la olímpica retorta del
Desperdicio.
X
La neuro-Psicopatia,
oficializada, no será El Error convertido en Ley?
XI
El recogido hace ruído y
contorciones? – Es loco furioso e incurable afirma el Alienista. – El recogido
no hace ruído ni contorciones? – Cretino es, assegura el Galeno, é incurable
tambien, por lo mismo... En ese diametro ferreo descansa el valor de todo el edifício
psiconeurologico. Despues de este Resúmen de Patogenia curatriz, - habrá
alguien – que no sea idiota – que crea en el embrión psiquiatrico?
Fragmentos de la obra
inédita “Los amados de Molière”. "1924"
Notas de Osório César:
1 – Esta observação é do prof. Franco da Rocha e foi extraída
de sua memória.
2 – (no rodapé e no
texto não há numeração correspondente a esta nota) “Psicose
maníaco-depressiva”, apresentada ao 2º Congresso de Psiquiatria, Neurologia e
Medicina Legal de São Paulo, pag. 46, 1918.
3 – Antheaume et Domard. Obra citada pag. 195-196.
4 – Citado por Vigen. Le talento poétique chez les dégénérés.
Thèse. Bordeaux, 1904.
5 – Régis. Manuel pratique de médecine mentale, pag. 250, 2ª
ed.
6 – Citado por Vigen.
7 – Obra citada, pag. 31.
8 – Dedicado a um toxicômano crônico, internado
judicialmente.