Osório César foi um dos primeiros psiquiatras brasileiros interessado em estudar a arte produzida por pacientes psiquiátricos, tendo iniciado esses estudos nos anos 1920 no Hospital do Juquery. Seu nome e seus trabalhos estão quase esquecidos. Este blog procura divulgá-los.

sábado, 17 de maio de 2014

Capítulo 4 – Parte 1 – A Expressão Artística nos Alienados

...continuação do texto...

Conceito das parafrenias. Poetas parafrênicos. A poesia mística. História psiquiátrica de um doente com delírio místico. Poemas parabólicos com interpretação do autor.

As parafrenias constituem hoje em dia um grupo clínico bem definido que Kraepelin separou da demência precoce. Assim o fez em virtude de certos doentes não apresentarem modificações da personalidade, perda da afetividade e da iniciativa.
Kraepelin admitiu quatro variedades de parafrenias: a sistemática, a expansiva, a confabulatória e a fantástica.
A parafrenia sistemática é caracterizada, diz Kraepelin, pelo “desenvolvimento extremamente vagaroso de um delírio de perseguição, continuamente progressivo, com ideias de grandeza mais tarde a ele associadas, sem destruição de personalidade”.
As alucinações do ouvido e da vista são tremendas, apavorantes. O indivíduo vê pessoas de sua família supliciadas, mortas; vê esqueletos. Ouve vozes de pessoas conhecidas que lhe pedem socorro; escuta injúrias e ameaças que não o deixam tranquilo noite e dia. Desse modo se implanta o delírio de perseguição que atenaza o doente atrozmente durante anos.
“O parafrênico sistemático”, diz o prof. Roxo, “vive numa eterna desconfiança e na rua não há frase que lhe não seja alusiva, ou olhar que o não vise”.
“Anos depois, em geral, ou muito pouco tempo depois, em muitos, vem o delírio das grandezas”.
“Muitas vezes é ele chave de tudo quanto ocorreu antes. Era a inveja que o fazia odiado, por ser um milionário, por ser filho do rei, por ser o apaixonado de uma princesa”.
E assim vive o pobre alienado dentro do círculo de sua moléstia, cuja evolução é longa e penosa.
A parafrenia expansiva se caracteriza pelo delírio de grandezas, pela euforia com ligeira excitação, fazendo lembrar por vezes a excitação maníaca.
As ideias eróticas são frequentes, chegando mesmo, em certos casos, a dominar o quadro. Não são comuns os delírios de perseguição; quando eles aparecem, conservam-se sempre em plano secundário e não preocupam o doente.
A parafrenia confabulatória é constituída pelo abaixamento adquirido do nível intelectual e por um delírio em que se notam essencialmente muitas ilusões da memória e alucinações (Roxo).
É forma rara. Kraepelin, em 35 anos, apenas viu 12 casos.
A parafrenia fantástica se caracteriza pela existência de um delírio florescente, cheio de alucinações extravagantes absurdas, desconexas e mutáveis. É a forma clínica em que o doente diz frequentemente que os cachorros conversaram com ele, que os passarinhos lhe dirigiram a palavra, ou que o demônio se lhe apresentou, a discutir com ele (Roxo).
O delírio de perseguição é comum. O doente é desconfiado de tudo e de todos. As perturbações cenestésicas são intensas. Sente cheiro de clorofórmio, de éter. As alucinações auditivas são frequentes: vozes ameaçadoras são percebidas.
Telefones misteriosos, irradiações de toda natureza o perseguem constantemente.
Essa forma de parafrenia muito se assemelha com a forma paranoide da demência precoce.
A forma expansiva da parafrenia é a que apresenta mais rico manancial de símbolos para o estudo interpretativo psicanalítico.
Esta psicose, segundo Kraepelin, aparece entre os 30 e os 50 anos. O que a caracteriza, como vimos atrás, é um delírio de grandeza exuberante, com animo alevantado e facilmente irritável. Geralmente, as ideias de grandeza, segundo Kraepelin, na metade dos casos, e, segundo Bumke, com maior frequência, têm uma tinta erótica; em outras ocasiões adquirem elas uma tonalidade religiosa acompanhada de ideias de perseguição.
“Frequentemente”, diz Bumke, “tais ideias religiosas se confundem com as eróticas e dão lugar à fabulação que produzem uma impressão de onirismo ou de fantasia extraordinária”.   

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