...continua Osório César, citando noções da psiquiatria de
sua época...
(1929)
Poderemos citar também
aqui, como exemplo típico de fecundidade intelectual na paralisia geral, o caso
do consagrado novelista francês, Guy de Maupassant. Contaremos a sua história
para melhor constatarmos a sua capacidade produtiva literária durante os períodos
da terrível moléstia que o prostrou.
Guy de Maupassant
nasceu em 5 de agosto de 1850. Seu pai era dotado de um caráter fraco, instável
e de uma mediocridade intelectual não duvidosa. Sua mãe era uma neuropata; foi
internada por sofrer de “paroxismos de furor, por ataques terríveis”; tentou
suicidar-se com laudanum e por estrangulamento. Hervé, único irmão de Guy de
Maupassant, seis anos mais moço do que ele, foi um “raté” [fracassado] e morreu
com 33 anos, paralítico geral.
Durante os
períodos de infância e adolescência de Guy de Maupassant, a sua saúde foi boa.
Aos 13 anos ele frequentou o seminário d’Yvetot. Depois foi internado no Liceu
de Rouen, onde acabou os seus estudos. Terminada a guerra de 70-71, na qual ele
tomou parte, Maupassant volta a Paris. Esteve empregado no Ministério da
Marinha e em seguida agregado ao gabinete de M. Bardoux, Ministro da Instrução
Pública. Em 1880 ele abandona este seu emprego, depois do sucesso alcançado pela
Boule de Suif. Segundo os seus biógrafos, a sua vida patológica já havia
começado desde 1872. Nessa época ela se caracteriza pela neurastenia, excessos
sexuais e de bebidas alcoólicas. Em 1882 aparece Fou? Na coleção Mademoiselle
Fifi. Desde então, ele começa a ter medo da morte e esta ideia o acompanha
como uma obsessão por toda a sua vida.
No seu livro Au
Soleil, volume publicado em 1884, vemos-lhe torturado por aquela obsessão:
“La vie si courte, si longue, devient
parfois insupportable. Elle se déroule toujours pareille, avec la mort au bout…
Quoi que nous
fassions, nous mourrons! Quoi que nous croyions, quoi que nous pensions, quoi
que nous tentions mourrons... On se sent écrasé sous le sentiment de l’immortalle
misère de tout, de l’impuissance et de la monotonie des actions”.
[tradução: “A vida, seja curta ou longa, torna-se às vezes
insuportável. Essa se desenvolve sempre parelha com a morte à espreita... O que
quer que façamos, nós morremos! O que quer que creiamos, que pensemos, que
tentemos, morremos... A pessoa se sente esmagada sob o sentimento da imortal
miséria de tudo, da incapacidade e da monotonia das ações”]
Paul Bourget, que
foi íntimo de Maupassant, observou desde essa época “de cruelles
hallucinations” no seu amigo. Em 1887 aparece Le Horla, que é o
livro mais interessante da segunda fase intelectual de Maupassant. Nota-se nele
um produto da imaginação de um cérebro anormal. É mui digna de nota a riqueza
de documentação psiquiátrica que esse livro apresenta nos seus capítulos. Em Le
Horla deparamos com um imenso repositório de ideias delirantes, de falsas
interpretações, de ideias de negação e de enormidade.
Em suma, é um
livro sentido, em que os fenômenos alucinatórios são descritos fielmente da
própria imaginação do autor.
Le Horla
não morreu, ele atravessou as portas bem fechadas, ele resistiu ao incêndio: “Alors...
alors... il va donc falloir que je me tue, moi!”
[tradução: “Então...então... se faz necessário que eu me
mate, eu!”]
Quem leu Le Horla, livro emocionante, cheio de
desespero, de agonia, obsessão de um cérebro alucinado, poderá melhor avaliar o
sofrimento e o pavor que tanto preocuparam Maupassant da ideia do fim. Falando
sobre esse livro, disse Lagriffe[1]
“...il leur parut étrange, sans signification et sans portée, mais aujourd’hui
il nous apparait comme le plus beau et le plus navrant cri de désespoir qui
jamais ait été jeté par une intelligence demeurée géniale malgré la maladie”.
[tradução: “parecia-lhes estranho, sem significação e sem
finalidade, mas hoje nos parece como o mais belo e mais comovente grito de
desespero que jamais foi lançado por uma inteligência genial, apesar da doença”.]
Em 1891 é quando
sua moléstia mais se acentua. Numa carta escrita nessa época por Maupassant,
ele descreve o resultado da consulta que fez a Déjerine, cujo fac-símile
encontra-se na obra de Lombroso[2],
atestado patente da natureza do mal que o prostrou. A escrita é desigual e um
pouco trêmula, há excitações, erros grosseiros de ortografia e as letras são mal-formadas.
Notam-se ideias de grandeza a propósito de sua peça Musotte. Enfim, em
1892, Maupassant foi internado na casa de Saúde do Dr. Blanche, em Passy, logo depois das suas duas
tentativas de suicídio.
A história de
Maupassant na Casa de Saúde de Dr. Blanche é uma história simples, como veremos
da descrição que dela fez Angeli[3]:
“Il passait des
heures entières dans le jardin, régardant les fleurs et les plantes… Tous les
phénoménes de la vegetation l’attiraient spécialement; il voyait une vie
obscure dans ces fleurs et dans ces plantes et il exprimait cette vision avec
des phrases puériles d’une tristesse infinie”.
[tradução: “Ele passa horas inteiras no jardim, olhando as
flores e as plantas... Todos os fenômenos da vegetação o atraem especialmente;
ele via uma vida obscura entre essas flores e plantas e exprimia essa visão com
frases pueris de uma tristeza infinita”]
“Le médecin qui le
soignait a recuelli beaucoup de ces phrases sur um petit carnet qui j’ai eu la
bonne fortune de voir chez le comte Joseph Primoli. Les plus souvent, il était
préoccupé de la profundeur de la terre et du préjudice que les ingénieurs lui
portaient. Cette idée se repete souvent comme une ritournelle, dans ces notes
brèves: voilà les ingénieurs qui foillente la terre, les ingénieurs qui
creusent...”
[tradução: “O médico que o tratou recolheu muitas dessas frases
sobre um pequeno caderno que eu tive a sorte de ver com o Conde Joseph Primoli.
Mais frequentemente, ele estava preocupado com a profundeza da terra e do prejuízo
que os engenheiros lhe causavam. Esta ideia se repete frequentemente como uma
canção que retorna em suas notas breves: eis is engenheiros que fabricam a
terra, os engenheiros que escavam...”]
“Les dernieres paroles sont comme une
confession et comme un voeu: Des tenébres! Oh! Des tenébres!”
[tradução: “As últimas palavras são como uma confissão e como um desejo: Trevas! Oh! Trevas!"]
Guy de Maupassant
morreu de paralisia geral no dia 6 de julho de 1893, depois de um ano e meio de
sua internação na Casa de Saúde do Dr. Blanche.