Osório César foi um dos primeiros psiquiatras brasileiros interessado em estudar a arte produzida por pacientes psiquiátricos, tendo iniciado esses estudos nos anos 1920 no Hospital do Juquery. Seu nome e seus trabalhos estão quase esquecidos. Este blog procura divulgá-los.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

A Expressão Artística nos Alienados Capítulo 7 – Parte 3

 

Neste livro Osório César usava linguagem psiquiátrica dos anos 20 do século XX.

As traduções não fazem parte do texto original. Os rodapés sim.

 ...continuamos com o texto de Osório César...


     Para Leconte de Lisle a poesia é: “...à ciseler des archaismes, à pendre précieusement des effets de lumière et de pluie, des bouts de paysage oriental avec figures...”

[tradução livre: “trabalhada pelos arcaísmos, sustenta preciosamente os efeitos da luz e da chuva, de relances de paisagem oriental com figuras...”]

     E para que tudo isso se realize o que é preciso? Ser poeta e ter inspiração. “L’étincelle est l’inspiration, sorte d voix intérieure qui semble dicte, au poéte ce qu’il doit écrire”[1]

[tradução livre: “a faísca é inspiração, tipo de voz interior que parece dita ao poeta que a deve escrever”]

     É o que os antigos diziam:

     “Est Deus in nobis, agitante callescismus illo”.

 [tradução livre: “Há um Deus em nós por cujo movimento somos agitados”]

     Ouçamo-lo agora em

 

     Mulher Divina

 

Mulher divina, vos canto um hino,

eu sou um velho porém sou menino...

Ai! Bem sei apreciar a beleza

de quem é a rainha da gentileza.

  

Formosa, quando viestes ao mundo,

houve um contentamento profundo:

Os pássaros bem alegre trinavam,

os anjos, em coro, no Céu cantavam.

 

Cantavam um hino de alegria

por haver nascido a ideal Maria,[2]

brilhava a estrela matutina

quando chorou a divinal menina.

 

     Encontra-se de tudo nesta poesia: sentimento, espontaneidade e simplicidade. Vejamos finalmente uma das suas últimas produções:

 

     Entrei no Juquery

 

Eu entrei no triste Juquery

onde não canta a jurity,

entrei com lágrimas no olhar

porque eu vi que vinha penar.

 

E depois de um longo tempo,

que para mim foi um tormento,

aqui, feliz, tornei a nascer:

ao protetor vou agradecer.

 

Meus agradecimentos, Doutor,

me fizestes um grande favor:

eu estava na sepultura:

me destes vida, formosura...

 

Formosura, sim, quem tem saúde

pode tocar seu alaúde,

cantar ao violão, ao luar,

fazer uma morena chorar.

 

     Destarte, a sua poesia apresenta um estilo simples e de sabor primitivo, sem preocupação de forma, semelhante àquelas dos poetas espontâneos, dos cancioneiros d’Ajuda, dos trovadores medievais, dos nossos rimadores sertanejos e das cantigas populares.

     É o que explicam Antheaume et Dromard no seguinte trecho:[3]

“O espírito poético, agindo à maneira daquele das crianças e dos primitivos, não evoca senão as percepções elementares no estado nascente, e utilizada, se assim se pode dizer, em sua ganga bruta. Os símbolos, as metáforas, as comparações, as alegorias, se casam à cadência dos versos e à música da rima, assim como à harmonia geral e imitativa das palavras, para concorrer a um conjunto de representações capazes de sugerir todos os atributos da ideia dominante, ou melhor, da impressão final”.

 

 



[1] Henri Vigen – Le talento poétique chez les dégénérés. Thése de Bordeaux, 1904.  

[2] Refere-se a uma enfermeira do Hospital.

[3] Obra citada na página 129.

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