No início do capítulo 7,
Osório César apresenta um sumário do que vai tratar no Capítulo.
A psicose maníaco-depressiva e o seu conceito médico atual. Manifestações
de arte no maníaco (poesias) e no melancólico (poesias). A paralisia geral. O delírio
de grandeza dos paralíticos gerais, a poesia e os desenhos. História
psiquiátrica de Maupassant na Casa de Saúde do Dr. Bianche.
A psicose maníaco-depressiva é uma moléstia mental conhecida
e foi estudada desde Hipócrates.
Naquele tempo ela
era compreendida separadamente: mania e melancolia.
A mania, segundo
interpretação de Hipócrates, caracterizava-se por um delírio violento, agudo e
crônico, e provinha da alteração do cérebro motivada pela bílis. A melancolia
manifestava-se pela tristeza e pelo medo, quando o cérebro se desarranjava
influenciado pela pituita.
Essas ideias
dominaram toda a medicina grega de antes até 80 anos depois da era cristã. Com Areteu
da Capadócia é que surgiu a ideia de psicose maníaco-depressiva. Pois esse
célebre médico grego “descreveu a mania e a melancolia, dizendo que esta era um
começo ou uma espécie de semi-mania, admitindo a passagem da melancolia para a
mania e vice-versa” (Roxo).
A psicose
maníaco-depressiva foi bem estudada nos nossos dias por Kraepelin.
Desde 1899 que
esse grande psiquiatra alemão reuniu numa só entidade mórbida a mania, a
melancolia e as formas mistas. Sob a feliz designação de psicose
maníaco-depressiva.
Kraepelin admitiu nessa
entidade psiquiátrica três grandes classes: estados maníacos, estados depressivos
e estados mistos, os quais passaremos a descrever de acordo com o prof. Roxo no
seu excelente “Manual de Psiquiatria”, à pág. 368 da 2ª ediç.:
Nos estados
maníacos abrangeu: “a hipomania, a
hipermania (Tobsucht), formas delusórias e alucinatórias, formas delirantes”.
Nos estados depressivos colocou: “a melancolia simples, o estupor, a melancolia gravis, melancolia
paranoide, melancolia fantástica e melancolia delirante”.
Nos estados mistos estudou: “a mania depressiva, a depressão agitada, a mania improdutiva, o estupor
maníaco, a mania com furor e a mania inibida”.
São três os sintomas fundamentais dos estados maníacos: humor
alegre, associação rápida de ideias e movimentação exagerada.
O prof. Roxo
compara esse estado com o de um indivíduo que esteja no período inicial da
embriaguez, particularmente da vínica. De fato, a comparação, aliás um tanto
grosseira, dá realmente ideia desse estado de psicose. Em certos indivíduos o álcool
atua de uma maneira curiosa, provocando alegria, otimismo, bom humor,
escondendo a timidez e aguçando a inteligência. No maníaco passa-se o mesmo
fenômeno. E o mecanismo é idêntico. Tanto num como no outro é a excitação
cerebral que provoca a superatividade de funções. No alcoolista é o álcool que
vai produzir nas células nervosas o fenômeno e no maníaco são, ou melhor devem
ser as toxinas ou os hormônios glandulares os responsáveis pelos distúrbios das
funções psíquicas.
“Há um estado de
excitação cerebral”, diz o prof. Roxo, “provocado por um maior afluxo de sangue
para o lado do cérebro. Este afluxo não deve ser excessivo, porque então
haveria a apoplexia cerebral, mas suficiente para superativar as funções
psíquicas. Consequência da maior irrigação cerebral é a alegria, como a
tristeza é o que se segue à anemia cerebral. A célula nervosa se sente mais
nutrida, ativada em suas funções, e o produto disto é uma sensação de bem-estar
que acarreta alegria. Esta chama tanto mais a atenção quanto mais triste e
macambuzio era anteriormente o indivíduo".
“Alegre, prazenteiro, muito afável, o maníaco
entra a se despreocupar dos diversos contratempos da vida e a encarar tudo no
melhor dos mundos. O indivíduo apreende as coisas muito rapidamente, mas o faz
de modo superficial, pouco ponderado. Não há tempo para que o juízo crítico se
exerça sobre o que vai reconhecendo”.
“Apreende tudo pela rama, muito
superficialmente e entra logo a discorrer sobre coisas de que tem noção
incompleta. Torna-se loquaz e as palavras se precipitam, sem que muitas vezes
as frases se completem. Encarando a rigor, há, como bem diz o prof. Afrânio
Peixoto, antes uma fuga de palavras do que uma fuga de ideias”.
Em relação às manifestações
artísticas dos maníacos, somente depois que a fase de agitação começa é que
eles manifestam as suas ideias, os seus pensamentos e as suas impressões, ora
por intermédio da escrita, compondo poemas em prosa e verso, ora por intermédio
da plástica, modelando em barro ou massa de pão os motivos de sua imaginação
criadora.
Mas é sobretudo na
oratória que eles se distinguem. Constantemente excitados, eles apresentam gestos
instáveis, alegria desbordante e ironia contínua; fazem discursos cheios de
ênfases, com assonâncias de palavras e jogos de ideias surpreendentes.
"O maníaco fala muito depressa e Isserlin
verificou conseguir ele pronunciar 180 a 200 sílabas num minuto, ao passo que
uma pessoa sã não conseguirá proferir mais de 150 (Roxo)”.
Como oradores, são
fogosos, gesticulam abundantemente e são incansáveis. Passam meses inteiros,
muitas vezes no meio de um sol ardente, pronunciando os seus estapafúrdios discursos.
Falam alto, gesticulam com imponência desassombrada, desandando num palavrório
desconcertante em que entra de tudo: política, filosofia, religião, medicina,
direito, matemática, geografia, etc. Um verdadeiro caleidoscópio verbal. E o
mais interessante é que tomam atitudes cômicas, funambulescas nas suas
pregações.
A indumentária dos
maníacos é bastante curiosa. Vestem-se com as roupas às avessas, calças
arregaçadas até as coxas; chapéu enfeitado com coisas berrantes. Nessa
extravagante postura conseguem eles passar dias e noites a falar e andar sem um
momento de descanso sequer, mostrando assim sua resistência inacreditável.
A fuga de ideias
que se manifesta nesses doentes em todos os graus possíveis traz sempre um cunho
erótico.
Como exemplo vejamos o apanhado abaixo que tomamos de um maníaco do Hospital do Juquery:
“Eu vinhe de Belém vinho de mesa vinho de
sima e de Fábrica. Escrevem tudo nem casa fiz. O que Deus faz escreveu na China
Guindarte e Annita. Mais nada Ribeirão Preto. Estrada de Ferro Cia. Engleza.
Nunca dão para ela mas dão. É porque você não quer dá. Perte de Macaco. Pentear
Macaco. O preto não chorava. Camcoro d’alma. Quando ele quis desse a mão de
pilão os passarinhos voaram todos. Gamela ajente tem vergonha na casa de fora.
Eu seu mesmo desarranjado. Aquele freguês que ia pelando o mar. Eram jovens
bonitas que se iludiam umas as outras. Era minha mãe com a camisa bonita”.
Os desenhos nesses
doentes são raros e quando eles se manifestam são quase sempre de caráter
erótico, representados por símbolos rabiscados desordenadamente, que formam no
papel manchas muitas vezes incompreensíveis. Esses desenhos dão-nos
conhecimento exato da fuga de ideias que se processa no doente. O mesmo
acontece com os seus escritos, cujas palavras se sucedem umas atrás das outras,
sem nenhum nexo, sem nenhuma relação lógica.
“Há diversas gradações nos estados
maníacos. O prof. Afrânio Peixoto[1]
apresenta uma classificação da mania, em que admite como formas: mania mitis,
mitissima, de Hoche e Hecker; hipomania, de Mendel; mania clássica, média, de
Peixoto; mania grave, agitada, confusa, hipermania, de Peixoto”.
Pela classificação
de Kraepelin, como vimos atrás, a hipomania está em primeiro grau, encaixando-se
nesta a mania mitis, mitissima.
“Na mania mitis há apenas uma ligeira
excitação cerebral, com os predicados essenciais da mania, isto é, humor
alegre, associação rápida de ideias, e movimentação exagerada. O doente não chega
a ter necessariamente de ir para um asilo e no meio social apenas sente uma
certa logorreia, volubilidade e precipitação”.
“A hipomania é um pouco mais, é uma mania
sem delírio, uma loucura raciocinante, como dizem os franceses”.
É justamente nessa
fase que os doentes escrevem os seus trabalhos filosóficos, literários, ou de
seus livros de poesias. Aparece então neles uma sensação ótima de bem-estar e,
prazenteiros em demasia, metem-se numa atividade fora do comum para o trabalho
intelectual.
É da lavra de um
hipomaníaco do Hospital do Juquery este soneto admirável:
Sudanita
(A Sabbado D’Angelo)
Do “Sudan” as baforadas solta
O insano imerso em saudade infinda;
E, em espirais, o fumo em revolta,
Nos mostra em busto a cigana linda!
Lenço rubro, em cabeleira solta,
Cachos pendentes, seu colo finda;
Ostentando das mamas em volta,
Facha amarela de seda da Índia!
E eu durmo... e, em pouco, minh’alma anseia.
Fogo de amor no meu peito ateia,
E a cigana em freme o corpo agita!
E gozo então delícias sem par,
Do colo róseo o odor sugar,
Inebriante de Sudanita!
Esse doente há
dois anos que se encontra em estado de hipomania. Os seus escritos são
numerosos. Não só faz versos, como também trabalhos de psicologia e contos
literários.
[1]
Esses dados retiramos da importante obra nacional do prof. H. Roxo “Manual de
Psychiatria”, pag. 373 da 2ª edição.
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