...continuação do texto...
No segundo grupo
de nossa classificação estão os desenhos, as esculturas, as poesias, as músicas
e as danças. As artes deste grupo poderemos comparar, dadas as semelhanças
flagrantes que notamos nas suas confecções, com as artes primitivas, como sejam
as dos índios de Marajó (1), as japonesas, as do século XII, a gótica e as dos
negros centro-africanos (figuras 22 a 31).
Correspondente
ao número (1) do texto há uma longa nota que segue abaixo:
1-
Na sua viagem ao Amazonas, em 1879,
professor Hardt (Archivos do Museu Nacional. Vol. VI, 1885. "A origem da
arte ou a evolução da ornamentação", pag. 95) teve conhecimento de
que, numa pequena ilha chamada Pacoval, no lago Arary, situada na ilha de
Marajó, existia um Túmulo dos antigos habitantes do lugar.
Examinando
o Túmulo, dele se retiraram urnas funerárias, ídolos e outros objetos de terra
cozida. “Muitos destes objetos”, diz o professor Hardt, “traziam ornamentos e
fiquei realmente surpreendido ao ver nesta antiga louça amazônica, gregas
espirais e outros ornamentos perfeitamente idênticos a algumas formas clássicas
e da Grécia. O túmulo era antigo e a associação de objetos que continha,
concordando com o que se acha nos túmulos norte-americanos, não oferece prova
nenhuma de que os fabricantes de louça do Pacoval conheciam a arte na Europa”.
“Continuando
as minhas investigações”, prossegue Hardt, “descobri que estes mesmos
ornamentos se acham distribuídos por todo o mundo, mesmo entre povos de uma
cultura muito baixa, e que formam parte da arte primitiva. Lembrei-me de que o
homem em todo o mundo, tendo a mesma organização física e estando em contato
com a mesma natureza, desenvolve-se segundo as mesmas leis, e que armas,
invenções, modos de pensar, regras de construção das línguas, até mitos e
ideias religiosas facilmente se desenvolvem independentemente entre povos
longínquos. As necessidades do homem primitivo em todos os países são as
mesmas, e é perfeitamente natural empregar independentemente métodos idênticos de
satisfazê-los”.
Hardt
encontrou na louça dos antigos índios de Marajó uma forma decorativa grega de
um dos mais belos ornatos estéticos conhecidos, que se acha espalhado em todo o
mundo. E até hoje, sustenta este autor, dentro das matas do Amazonas e do
Orenoco, as mulheres gostam de pintá-lo nos seus “Camutis”. Também se encontra,
comumente, nas louças dos índios do Brasil e do Peru, um desenho ornamental
característico dos vasos Etruscos.
Uma
das coisas que mais nos chamam a atenção na arte dos primitivos selvagens do
Brasil é a ausência completa de ornamentações vegetais. Assim, nos utensílios
encontrados em Marajó, os temas de estilizações estéticas são exclusivamente
tomados do reino animal.
“É
fato interessante que”, diz Hardt (obra cit.pag. 107), “ao passo que o homem e
diversos animais são representados em relevo na louça de Marajó, é raro que
sejam desenhados sobre uma superfície plana. A artista índia sabia bem a arte
de modelar e era perita na ornamentação por meio de linhas simples, mas não se
tinha adiantado na arte imitativa do desenho. Nenhuma folha, flor ou fruto é
representado na louça antiga do Amazonas ou em relevo ou sobre uma superfície
plana. Parece singular que, habitando uma região em que o reino vegetal oferece
formas belas, o artista não escolhesse nenhuma destas para a ornamentação”.
Também
estudaram a arte de Marajó, Ferreira Penna, Derbey e Ladislau Netto (Archivos
do Museu Nacional. Vol. VI, 1885. “Investigações sobre a Archeologia
Brasileira, pag. 317).
“Entre
as preciosidades que havemos exumado”, diz Ladislau Netto, “os Snrs. Ferreira
Penna e Derby, a princípio, e eu por último, do solo de Marajó, sobressaem
algumas figuras de terra cotta, que
nada mais nem menos são, segundo presumo, que os deuses penates dos
construtores dos mundos daquela ilha; imagens que adoravam também os índios do
Maranhão, de Pernambuco e de outras províncias do Brasil, assim como muitos
outros povos da América. São estatuetas a que, na falta de melhor nome dei o
nome de ídolos. Representam homens e mulheres, mas raras vezes sem alguma
particularidade convencional, uma monstruosidade qualquer, ou na deformação da
cabeça e da face, ou na supressão dos braços e pernas ou nas protuberâncias
dorsais e torácicas próprias dos corcundas”. E mais adiante continua: “A
estatueta mais distinta e ao mesmo tempo mais expressiva desta espécie, é a que
figura uma espécie de polichinelo, de fisionomia chinesa, com a dupla tuberância
torácica e dorsal do corcundismo. Esta estatueta, que eu mesmo desenhei sobre o
bloco de madeira em que devia ser gravada, a fim de conservar-lhe todos os seus
traços característicos, é um primor de expressão e de naturalidade, ainda que
me pareça muito difícil afirmar se as saliências que aí figurei por malares
assim devem ser considerados ou por olhos com mais razão havida (obra cit. Pag.
324)”.
As
representações zoomorfas na arte dos antigos habitantes de Marajó são mais bem
estilizadas e de uma beleza esquisita. A reprodução que damos aqui (veja fig. 21)
apresenta uma curiosa idealização zoomorfa, com dupla cabeça e dualidade
simulada no próprio corpo do animal metaforicamente figurado.
“Este
animal emblemático e um tanto enigmático”, diz Ladislau Netto, tem alguma coisa
que relembra o símbolo chinês cheu ou
chi, imagem da longevidade, a qual,
segundo tradições e livros sagrados da China, foi criada ou inventada pelo
famoso Fo-Hi, o Faramundo chinês a quem se deve a organização política do
Celeste Império, cerca de 3.000 anos antes da era cristã e a quem esse símbolo
divino, conforme o dizer das lendas asiáticas, foi revelado por um cavalo
sagrado (obra cit. Pag. 244)”.
Como
vimos, é por demais curiosa a semelhança das decorações desses objetos da arte
cerâmica dos antigos índios do Brasil com as decorações e relevos das arte
orientais e primitivas de toda a Europa. Na maioria dos vasos de Pacoval,
estudados por Ladislau Netto, encontramos emblemas gravados exteriormente, que
nos lembram motivos jônicos e também um pouco do misticismo Báltico. Isto nos
faz pensar com a maioria dos autores, que os primeiros habitantes do Continente
Americano foram representantes de uma raça desconhecida, emigrada do velho
mundo, cujo sentimento artístico, muito desenvolvido, deixou traços patentes de
sua passagem no Continente, como prova a arte antiga de Marajó. Essa gente, que
mostra haver formado uma civilização adiantada – haja vista os monumentos do
antigo México – desapareceu sem se saber como.
Henry Schoolcraft (Historial and
statistical information, respecting the history, traditions and prospects of
the Indian Tribus of the United States. Philadelphia, ano) considera
os indígenas Americanos como destroços ou restos de diferentes raças, o que até
certo ponto justifica, no dizer dele, as tradições dos povos americanos, que os
representam vindos por mar para a América.
Quanto
à veracidade deste pensar, até a presente data, ainda não estamos bem
aparelhados, ou melhor, suficientemente armados para desvendarmos o mistério
que ainda nos envolve. Entretanto, não parece de toda destituída de fundamento
a hipótese de Schoolcraft.
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