No texto abaixo, é interessante notar a posição de Osório César em oposição às ideias de Lombroso, sobre o criminoso nato. Assim também em relação aos que classificam a chamada "loucura moral" entre os quadros constitucionais.
...continuação do texto
de Osório César...
Estudemos agora a
arte na loucura moral.
Que é loucura
moral? “É uma situação degenerativa, diz J. de Mattos [1], caracterizada pela
ausência ou perversão dos sentimentos de piedade e de probidade, que na sua
forma elementar constituem o mínimo de senso moral indispensável à vida
coletiva”. Ótima definição. Clara. Sintética. Exatamente fiel ao quadro
nosológico, que os autores clássicos dessa afecção mental traçaram. Vejamos
como descreve G. Ballet [2] o tipo de loucura moral: “Os loucos morais
manifestam o mais das vezes, desde criança, suas tendências perversas.
Profundamente egoístas e desconfiados, de uma falta de coração absoluta, essas
crianças, diz muito bem Schüle, não possuem nada de criança. Não estimam a
ninguém; as carícias os importunam; são insensíveis às repreensões como aos
elogios, à dor como à alegria de seus pais; a desobediência e a mentira são
para eles como uma necessidade, da qual não podem se afastar. Excessivamente
vaidosos, já cheios de si, não podem tolerar uma direção qualquer e fazem o
contrário do que se procura obter deles. São facilmente irritáveis. Pela menor
contrariedade têm violentos acessos de cólera que se acompanham de movimentos
impulsivos mais ou menos perigosos. Invejosos, rancorosos, vingativos, procuram
fazer mal àqueles de quem pensam ter queixas e são muito capazes de
preparar-lhes subreptícias e pacientemente vinganças que levam até a
ferocidade. Mas, são também friamente maus sem nenhum motivo, divertindo-se em
torturar os animais e em bater nos seus camaradas mais fracos. Na escola, são
extremamente preguiçosos, de maneira que nada aprendem e ficam sempre
fazendo-se os últimos da classe, fazendo-se expulsar de todos os
estabelecimentos para onde vão. Nem a doença, nem a violência podem dominar
esses caracteres ingovernáveis, sempre prontos à revolta e, muitas vezes, os
pais são obrigados a colocá-los em estabelecimentos especiais de repreensão, ou
em casas de correção, de onde eles saem, aliás, mais viciosos ainda”.
A esse conjunto de
fatos, que constitui grave desvio do senso moral, caracterizado pela perversão
dos sentimentos afetivos, sem perturbação notável da inteligência, alguns
psiquiatras até hoje ainda consideram autonomia nosológica, conservando assim a
denominação que Pritchard criou, em 1835, de loucura moral (moral insanity).
Muito se tem
discutido e escrito acerca dessa afecção. E isso em várias disciplinas. Na
Medicina. Na Jurisprudência. Modernamente, depois que se conhecem bem os
estados mentais de muitas psicopatias, a loucura moral tem perdido bastante o
sentido nosológico de moléstia constitucional, que os tratados dão. Ninguém
hoje deve pensar como Lombroso, que assinalou os caracteres do louco moral como
sendo iguais aos do criminoso nato – tipo este criado por ele, para designar
taras constitucionais de indivíduos portadores de acentuadas anomalias físicas e
psíquicas. Lombroso dividiu os criminosos em loucos epilépticos, loucos morais,
criminosos natos, criminaloides e criminosos por paixão. Em qualquer deles,
admitia um fundo epilético essencial. Toda gente sabe que o criminoso nato não
existe. Afrânio Peixoto diz que o louco e o criminoso não diferem entre si.
Este nada mais é do que aquele, após haver cometido o crime. – Perfeitamente exato.
A loucura moral é
uma síndrome e não uma moléstia constitucional. Haja vista os inúmeros casos hoje
melhormente observados, de sequelas de encefalites, responsáveis por esses
caracteres incorrigíveis de indivíduos que apresentam os sintomas da loucura
moral.
Na classificação
da Sociedade Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal, a “moral
insanity” tem sido colocada, por vários psiquiatras, no Nº 13, sob o título de
outras psicopatias constitucionais (estados atípicos de degeneração). Não
podemos concordar que a loucura moral caiba nesse grupo da referida
classificação. Não se nasce louco moral da mesma maneira que não se nasce
criminoso.
Outrora era
encaixada no velho grupo das monomanias de Esquirol, essa forma degenerativa
dos sentimentos morais. Depois foi desmembrada daí por Esquirol, para tomar o
nome de monomania intelectual, visto observarem-se certos atos delituosos em
indivíduos, sob influências de concepções delirantes. Em seguida vieram as denominações
de monomania instintiva, monomania
raciocinante. Esta, por sua vez, tomou diversos nomes, de acordo com os
psiquiatras da época. Assim, para Pinel, mania
do caráter; para Brierre, loucura da
ação; para Morel, loucura instintiva;
para Trelat, loucura lúcida;
finalmente, para Pritchard, loucura
moral.
As manifestações
artísticas nos loucos morais não são raras. Elas se apresentam na maioria das
vezes bem equilibradas e com um cunho de originalidade distinto.
Observações e referências de Osório César:
1 - Elementos de Psiquiatria, pag. 530. Porto, 1911.
2 - Traité de Pathologie Mentale, pag. 646. Paris, 1903.