...continuação do texto...
[Osório César refere agora um
texto do mesmo paciente a respeito de Freud]
Apreciemos agora a sua crítica de um livro
de Freud:
(A psicanálise aplicada à Vida Cotidiana –
Edição de Payot. Paris, 1924).
Preliminarmente:
- Freud é tão sutil, que toca os limites da acuidade e sendo da análise
micro-subjetiva; ou, também, é tão Grande seu poder indudedutivo, e sua visão
analítica, que, por isso mesmo, degenera
em sutileza psicopatológica, de fato, emaranhada.
As obras do ilustre
Precursor da Psicanálise são inabordáveis, como todo o demasiado profundo. Já
disse, eu, algures, que Freud é um tanto prematuro, desde logo que suas
Teorias, - por outra parte famosas – não encontram na maioria, terreno
intelectual adaptável... O espírito humano contemporâneo, apesar de sua enorme
cultura, não está, para mim, suficientemente preparado, para digerir concepções
tão fundas, e tão radicalmente súbitas... De outra maneira, e para usar a
linguagem freudiana, o subconsciente intelectual, o subsolo subjetivo da generalidade dos Leitores é
incapaz de fazer germinar a semente portentosa, de semelhantes Teorias... Só um
pequeno núcleo de Artistas e Intelectuais de escol pode ler, mastigar, e
digerir as doutrinas do ilustre Professor de Viena. E a razão é óbvia: - o genial
que voa é só acessível aos que têm asas no organismo espiritual. É o caso de Nietszche, e todos os escritores
que, por sobrepassar o nível geral, desequilibram, com suas concepções originais, (no presente caso, Freud) – o acervo
comum dos conhecimentos adquiridos. O qual, não quer dizer que o século atual
seja estritamente incapaz: aquela observação simplesmente significa que, intelectualmente,
os tempos correm, são ainda impreparados para receber modificações no status
quo, por mil razões sociológicas,
eminentemente conservadora... Repito: só a Elite pode ler certos autores que,
como Freud, derrubam e devastam princípios consuetudinariamente amitidos como dogma...
Realmente. No reino do Interior
Humano, a evolução apreensível é lenta, e quaisquer tentativas de explicação
satisfatória resultam contraproducentes e antecipadas. A razão? – Estar o
Cérebro e seus reflexos, por agora, numa permanência quieta; o que dá lugar a
um estado embrionário de estudos aventurados e hipotéticos, que as Massas não
admitem sejam radicais, casualmente por seu conservantismo constitucional e
ancestral!
Que é a Ciência da Alma?
Conjecturas mais ou menos científicas, que as Multidões querem que não evoluam
rapidamente. Por que? Por o móvel do Medo (motivo freudiano) de ver o arraigado
decair!
Que é o Eu e sua Mecânica?
Um Labirinto, até hoje
insondável, precisamente por o temor de receber novas concepções,
verdadeiramente evolutivas e competentes. Quem? A mesma Multidão, que, em todo
caso, é a maioria!
A Ciência Subjetiva, ao não
poder ser apanhada por o Laboratório, se converte em Dúvida Ortodoxa, ou em Fé
automática. É o triunfo do Fanatismo multicor e hereditariamente teológico!
Triste Verdade que apavora o ânimo e a ânima científica! Mais... Que fazer?
Esperar casualmente que se consolidem os estudos e investigações cerebrais para
a Ciência e Porvir Próximos!
Os mais célebres Cérebros
fracassaram em seu intento de explicar à engrenagem cortiçal, e fracassaram por
o preconceito de abaixo, e dizer, por a omissão ignorante da Coletividade,
sempre em direção teimosa ao quietismo. Aquela teimosia é obra da Propaganda
teológico-religiosa, sempre inclinada a não deixar passar o preconizado por os verdadeiros
Pensadores, homens máximos que baixo quaisquer aspecto, derrubam diafragmas
místico-sociais!
Os investigadores
científicos – malgre os esforços fanáticos – continuam em seu labor em busca da
Pesquisa Provável do como e porque cranial!
A Fisiologia, a Histologia e
a Anatomia Patológica do Cérebro são coisas certas: - constituem Teoremas
evolutivos fixos de conhecimento definitivo. A parte Físico-Química do Córtex
também está no terreno das aquisições biológicas seguras... Mais... A
Psicologia in intra do Espírito, essa... não aparece. O mecanismo intelectual
per se da Alma... escapa. A perspicada filosófica faliu, ao querer definir e
adquirir as noções precisas e matemáticas do Eu... Desde os Helênicos,
investigadores e fundadores de teorias e sistemas (Platão e sua escola,
Sócrates e a sua) até os modernos bandeirantes da Investigação espiritual (Kant
e os seus, Bergson, Balmes e as mil escolas hodiernas) – todos hão fracassado
nesse ponto misterioso do mecanismo vital e psíquico da constituição íntima da
Psique!
Paradoxo? Por que? – As fontes
da Alma não estão, por ventura, ocultas à mesma Alma? Parodiando Pascal, não se
pode assegurar, como Postulado da deficiência humana, que o Cérebro tem razões
que o próprio Cérebro desconhece e ignora?
Os grandes Filósofos e
célebres Psicólogos que hão feito, senão recuar perante a Esfinge polilateral e
poliforme do Porque Cerebral?
O mesmo Platão, com suas
ideias suprassensíveis; o próprio Kant, com seu apriorismo duvidoso; o tão
meneado Descartes, com suas equívocas e ferrenhas conclusões; Freud, Maudsley,
Cl. Bernard, Wirchow, com suas inovações fundamentais e preciosas... quem,
dentre eles e o que há podido alicerçar axiomaticamente o modus operandi certo,
genuíno, matemático e legítimo do Córtex? Ninguém!
Porque, se é certo que os
grandes Biologistas e Filósofos hão esclarecido, relativamente, é entrada do
aparelho Psíquico; esses Filósofos, Biólogos e Fisiologistas não hão obrado
ainda o milagre divino da Patologia Psicológica completa, certeira, precisa,
invulnerável do Eu!
Repito: - Só aproximadamente se podem explicar
as misteriosas gestações do dínamo energético do Cérebro... E esse, apesar dos
pesares de Séculos e Séculos de labor!
A “Psicopatologia da Vida
Cotidiana” de Freud é um livro, senão revelador por o menos fortemente
original, e cosmopolitamente profundo. Na Literatura Médico-Analítica, e mesmo
aquele volume majestoso, uma verdadeira rareza, pois... não está o Público
enjoado de ler erudição barata e insubstancial? – Não há fecundidade mais
fastidiosa, em verdade, que aquela dos Psicólogos Patologistas, que, dia a dia,
enchem as Livrarias de volumes de pura ciência... bibliográfica! O Livro de
Freud é um conforto para os Estudiosos (de Inteligência forte) à vez uma necessidade
de Biblioteca cultural!
Nos diversos capítulos da
Obra, Freud estuda a “vie courante” interpretada à luz de sua psicanálise... O
qual quer dizer somente que o Célebre Autor aborda os fenômenos por o lado de
suas manifestações essencialmente psíquicas.
Ditos fenômenos os localiza
no campo estrito da Contaminação inconsciente, em relação, naturalmente, com a
esfera do Consciente. Estas palavras consciente e inconsciente, com seus afinos
linguísticos e psicológicos, hão sido o tema de moda mais em voga nestes
últimos tempos, devido às preconizações do próprio Freud. De passo, há que
advertir que quaisquer estudantes de preparatórios, quaisquer meninas lidas têm
esses vocábulos na ponta da língua, para todo uso. He aí um ato de Psicologia
inconsciente... Ou melhor, fica nesse detalhe apontada a Sintomatologia duma
Decadência verbal de inconsciência coletiva...
Se, como se sabe, as
Doutrinas Freudianas são coisas ásperas, como explicar que todo mundo tenha, na
conversa, essa profunda doutrina, para todo e em todo? A razão cai baixo à ação
condenatriz dessas mesmas premissas científicas que estigmatizam, como
verbalismo inócuo e fatal, o prurido inconsciente de falar sobre tudo, sem
dar-se conta de que a língua é a pior inimiga do Consciente!
A motivação freudiana e
altamente culta, sadia e meritória, para estar-se usando à larga mão e língua
por os deserdados do Talento, que por aí andam, em maioria revoltante!
Os processos mentais,
tratados com maestria por o Colosso de Viena, não são para misturas verbais dos
Palavreiros que, escudados com uma fácil literalice, querem (coitados) enxergar
Problemas e Fenômenos, ainda em gestação experimental. Há que gritar bem alto:
As obras e análises freudianas são, exclusivamente, para os supercompetentes!
Analisando as “meprises” e “reprises”,
estudando os “Conflitos” internos; aclarando “estradas” subjetivas;
classificando as ações “refoulés”, catalogando as funções de “associação” e “excitação”,
Freud é assombroso! Localiza, por assim dizer, o “inconsciente” e “consciente”
num plano visual para a Consciência de Leitor preocupado. Enfim, Freud perturba
ao estudar as forças “perturbatrices”. É uma Vertigem aquele Homem. Faz até mal
ler-lo sem premeditação Consciensuda. Eu não sei se os Psiquiatras, - tão
amigos de encontrar síndromes degenererativas, onde há gênio – eu não sei,
repito se ao ler Freud, se terão vingado – ao ver sua incompetência de
apanhá-lo, - chamando de Louco!
O livro que me ocupa não
trata de fator sensual – Chave de Ouro de Freud.
A razão está em que neste
Volume o autor não trata senão de reflexos “manqués, lapsus verbais e de
Memória e atenção, tratados segundo o experimentado pelo próprio autor... É uma
espécie de autoanálise esta notável obra do celebérrimo Freud... “1926”
O seu estilo, como acabamos de ver, é bem característico
e tem um cunho de originalidade pessoal. O ritmo das palavras é cadenciado e a
música agradável ao ouvido. Como expressão é encantadora a sua prosa. Ela é
quente e vibrante. Nesse artista degenerado, cuja produção literária é
assombrosa, o que mais nos chama a atenção para o seu desequilíbrio mental são:
a disposição desordenada de suas ideias anarquistas e a egolatria desassombrada
na apreciação de sua individualidade.