Osório César continua
com o tema que ele subintitula como “O ‘Autismo’ do Professor Bleuler”. Frisamos
que esse conceito inicial de Bleuler com essa designação, modificou-se gradativamente
posteriormente.
...continuação do
texto...
Nos artistas, literatos, poetas, escritores, o temperamento
autístico é bem desenvolvido. Neles, a facilidade com a qual mergulham o seu
pensamento no sonho, para de lá retirarem as preciosidades que exteriorizam nos
encantos de uma obra de arte, é conhecida de todos nós.
Escutemos, por exemplo, o poeta de “Vana” (1), na “Canção do
Louco”, poesia que é um primor de nossa literatura:
Canção do Louco
Meu cérebro é um moinho tenebroso,
um moinho que gira sem cessar.
Um vento mudo e misterioso
fá-lo girar.
É velho e pardo, abandonado e feio
como bem poucos.
Já m’o disseram e eu também creio:
- É o moinho dos loucos.
E a roda gira! De girar não cessa!
Os grânulos de ideia vão tombando...
E a mó de pedra sempre mais depressa
pulverizando.
Estranho moinho, o teu destino é triste!
Teu tormento indizível é sem fim.
Ah! Na verdade em parte alguma existe
um outro moinho assim!
Minho ambulante, de onde vem o vento,
teu algoz, invisível e maldito?
...E a mó sempre a moer o pensamento.
- Trigo infinito!
Mas este mundo é muito curioso:
- Que quer dizer toda essa gente infinda
de boca aberta, a me fitar?
Homens de juízo, não sabeis ainda?
Meu cérebro é um moinho tenebroso,
um moinho que gira sem cessar...
“Na criança (1*), o pensamento autístico permite a satisfação
dos mais ardentes desejos: nos jogos, nos brinquedos, nos contos maravilhosos,
ela sonha uma vida cheia de prazeres, com todos os atributos de uma existência
real. O petiz que brinca de general, cavalgando um cabo de vassoura, sente-se a
criatura mais poderosa do mundo e aquele pedaço de pau tem para ele todas as
qualidades de um fogoso corcel”.
“No homem adulto civilizado, o autismo se manifesta com a
máxima intensidade nos sonhos noturnos. Durante a vigília, ele acarreta uma
intensa atividade imaginativa, que vai desde o simples devaneio até as formas
mais elevadas da imaginação estética e científica”.
“A introversão é, pois, uma situação de equilíbrio instável
entre a saúde e a doença, bastando um pequeno desvio na distribuição da energia
psíquica para que se manifeste a alienação mental”.
“No introvertido, a vida imaginária e interior tende a
predominar cada vez mais sobre a vida real e exterior. Como ensina Ribot, ele
distingue dois mundos, dos quais um é preferido e outro apenas experimentado.
Mas crê em ambos e tem a consciência de
passar de um para outro: há alternativa.
No alienado, a distinção entre os dois mundos desaparece. Suas fantasias são
invertidas de uma realidade objetiva e os elementos exteriores não mais o
atingem ou são interpretados de acordo com o seu delírio: não há mais alternativa”.
É o que vemos na demência precoce, na parafrenia e na
paralisia geral.
Notas de Osório César:
1 – José Lannes – “Vana”. São Paulo, 1920.
1* - Durval Marcondes. O simbolismo estético na literatura.
São Paulo, 1926.