Osório César foi um dos primeiros psiquiatras brasileiros interessado em estudar a arte produzida por pacientes psiquiátricos, tendo iniciado esses estudos nos anos 1920 no Hospital do Juquery. Seu nome e seus trabalhos estão quase esquecidos. Este blog procura divulgá-los.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Capítulo 1 - parte 5 - A expressão artística dos alienados


...continuando o texto...

Na caverna de Isturitz, Passemard (2) encontrou dois fragmentos de chifre de rena com inscrições decorativas provenientes do período Magdaleniano. São desenhos de linhas onduladas, profundas e em número de quatro. (O desenho é original e de uma simplicidade ingênua. Passemard julga tratar-se de uma expressão puramente decorativa e obra de um artista livre, esperto e inventivo).
A sua música (3) era composta de sons agudos e graves, sem melodia, estridentes, que se assemelhava ao guincho de certos animais. “L’art préhistorique – diz Lalo (4) – si remarquable par son exactitude realiste lorsqu’il s’agit de representer des animaux, est gauche, incomplet, mauvais observateur et comme paralysé lorsqu’il s’agit de representer des hommes: au point qu’on a cru devoir interpreter la plupart des types humains des cavernes, ou comme des caricatures, ou comme des représentations de sorciers déguisés em bêtes. Même disproportion chez les Japonais: ils pratiquent um dessin et um coloré merveilleusement riches, souples, scrupuleusement fidèles à l’égard des animaux et des végéteux; ils sont au contraire relativement pauvres d’invention et même d’observation à l’égard des hommes: anatomies embryonnaires, gestes forces et laides physionomies des masques aux rictus stéréotypés, visages conventionnels, aux traits semblables jusqu’à l’identité: il y a um contraste frappant entre cette aptitude prodigieuse à observer directement la nature, et cette sorte de repugnance où ce manque d’intéret relatif pour l’êtude directe de l’humanité”.
Esse esboço de arte do primitivo encontramos identificado tanto nos idiotas e nos imbecis como nos selvagens atuais e nas crianças de 4 a 6 anos, como já vimos as representações gráficas. Esta é uma das razões pelas quais pensamos que uma só mentalidade dirige essas diversas manifestações artísticas. Assim, a criança de 4 a 6 anos que rabisca numa parede uma figura tosca de animal; o idiota ou o imbecil que traça no chão, desordenadamente, com um palito de fósforo, uma figura de homem; o selvagem atual que pinta a sua pele com cores vivas, possuem todos uma só mentalidade artística, uma estética simbólica do primitivo. 

No rodapé constam as referências:
2 – E. Passemard – Dessins sinueux sur bois de renne de la caverne d’Isturitz, Basset-Pyrénées. Bulletin de la societé Préhistorique Française. T.XXII n.3 Mars, 1925, pags. 135-136.
3 – A música sempre existiu, em toda parte, antes de toda cultura propriamente dita e mesmo entre os animais (O. Spengler – A decadência do Ocidente, 2 vol. Pag.24, trad. Esp.)
4 – L’Art et la religion. Revue Philosophique, N. 9-10, pag.279, Paris 1919. 

sábado, 2 de junho de 2012


Capítulo 1 – Parte 4 – A Expressão Artística dos Alienados

Assim prossegue o texto de Osório Cesar:

As produções estéticas dos alienados, como vamos ver mais adiante, apresentam em parte concepções originais, harmoniosas e agradáveis; em parte, porém essas produções são grosseiras, falhas, incoerentes e revelam feitio acentuadamente primitivo. 
Baseados, pois, na falta de homogeneidade das produções artísticas dos alienados, somos forçados, para melhor orientação deste estudo, a traçar aqui um quadro comparativo dessas produções. Dividiremos esse quadro em quatro grupos, seguindo ordem cronológica, de acordo com a evolução das artes, e colocaremos em cada um deles, seriadamente, os seus diversos ramos.

QUADRO DA CLASSIFICAÇÃO DAS ARTES NOS ALIENADOS
                               (ESTUDO COMPARATIVO)
1º GRUPO: ARTE DO PRIMITIVO: DESENHO; MÚSICA.
2º GRUPO: ARTE PRIMITIVA: DESENHO; ESCULTURA; DECORAÇÃO; POESIA; MÚSICA; DANÇA.
3º GRUPO: ARTE CLÁSSICA: DESENHO; PINTURA; ESCULTURA; DECORAÇÃO; POESIA; MÚSICA; DANÇA.
4º GRUPO: ARTE DE VANGUARDA: DESENHO; PINTURA; ESCULTURA; DECORAÇÃO; POESIA; MÚSICA; DANÇA. 

Devemos assinalar que, hoje em dia, o termo “arte primitiva” tem sido rejeitado por ser considerado pejorativo e eurocêntrico. Têm sido usados os termos “arte tribal”, ou “arte etnográfica”, ou “arte nativa”, e outros similares.

As manifestações artísticas dos alienados que classificamos no primeiro grupo, constam de desenhos rudimentares, de caráter simbólico (figura 1), cuja semelhança apresentada com os desenhos pré-históricos (figuras 2 a 4), com desenhos de povos primitivos (figuras 5 a 7) e com os desenhos de crianças de 4 a 9 anos (figuras 8 a 10) é positivamente notável. 



Continuando o texto do primeiro capítulo:

A composição desses desenhos lembra a infância da humanidade, época indeterminada, em que o homem se abrigava em cavernas, cobria-se com peles de animais bravios e cujos utensílios eram fabricados com pedras duras como o sílex e com pedras ígneas, dando-lhes conforto e prazer à sua atribulada existência. 
Nesse remoto período o homem era pescador, caçador, e desconhecia a agricultura.
A sua arte decorativa (1) era constituída por ideogramas e por representações de animais desenhados toscamente com fragmentos de ossos e pedras nas paredes e nos tetos das cavernas.

No item de número (1) consta o seguinte texto no rodapé:
A origem da arte é tão antiga como antiga é a origem da humanidade.
A arte nasceu com o primeiro homem. A mais remota manifestação  de arte que se conhece pertence à idade da pedra. Dessa época são dignos de admiração os desenhos de animais gravados em ossos e em pedras os quais, segundo os autores, apresentam quiçá, maior antiguidade que as estátuas egípcias. Cada povo tem sua predileção ornamental. Assim, Lubbock (Les origines de la Civilization, pg 36, trad. franç. 1873, Paris) diz que encontramos frequentemente bons desenhos de animais, datando da idade da pedra e que esses desenhos desaparecem quase inteiramente no período da idade da pedra polida, durante a idade do bronze, e que durante essas duas últimas épocas a ornamentação consiste unicamente em diferentes combinações de linhas direitas e curvas e em desenhos geométricos. E é nessa desigualdade de épocas que Lubbock acredita na existência de uma diferença de raça na população da Europa ocidental. Em favor da opinião de Lubbock estão os Esquimós, bons desenhadores, enquanto os Polinésios, gente muito mais adiantada em outros pontos de vista, muito engenhosa nos enfeites e na ornamentação de suas armas, no entretanto, são incapazes de desenhar figuras de animais e de plantas.
Grosse (Les débuts de L'Art. Felix Alcan, 1902) considera a arte dos primitivos como um fenômeno e uma função social.